Associações do setor criticam Ministério da Cultura por inação no combate ao assédio moral e laboral.
Corpo do artigo
Pouco surpreendidas com a nova denúncia de violência envolvendo profissionais do audiovisual (ler abaixo), as associações do setor culpabilizam o Ministério da Cultura de inação nesta matéria – por ignorar as suas reivindicações de combate ao assédio moral e laboral, problema que dizem ser sistémico.
A MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, uma associação criada em 2022 que reúne profissionais do cinema e audiovisual, aponta mesmo “a total ausência de resposta à carta enviada há dias” e apela à criação de mais mecanismos.
De entre estes, destaca-se a criação de um canal de denúncia exclusivo para as artes. Embora existam entidades como a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego ou a Autoridade para as Condições do Trabalho, a Plateia defende que “as especificidades do meio” deviam ser consideradas.
Sara de Castro, membro da Direção, fala na “elevada exposição pública e na natureza própria do trabalho artístico, que dificulta o estabelecimento de limites”, como fatores que justificariam a criação de um canal de denúncia.
Nas sessões públicas de esclarecimento já realizadas, as associações afirmam ter-se deparado com “uma desinformação geral”, com muitos profissionais “sem saberem sequer onde se devem dirigir”.
"Situações desesperadas"
É este desconhecimento, no entender da responsável da Plateia, que desencadeia “situações desesperadas” como as que deram origem à mais recente denúncia. Recorde-se que, após uma antiga namorada do realizador e produtor Ico Costa o ter acusado nas redes sociais de agressões físicas, verbais e psicológicas continuadas, o Indie Lisboa resolveu anteontem cancelar a exibição de dois filmes da sua autoria, prevista para a edição deste ano do festival.
Sara de Castro discorda da forma de denúncia escolhida, por ser “penosa” para a autora. “Quem o faz fica exposto, sem nenhum tipo de apoio jurídico ou psicológico”, argumenta.
Atenta a este caso e a outros similares, o Cena – STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos) vê na sua recorrência uma prova mais da incerteza dominante no setor. Rui Galveias afirma que “os abusos são potenciados por relações laborais baseadas na precariedade, sendo que as mulheres estão na base mais frágil”.
Já a MUTIM, “solidária com todas as vítimas de violência machista”, diz, através da vice-presidente Mariana Liz, que “muitos comportamentos abusivos têm vindo a ser normalizados” no cinema e no audiovisual”. “As estruturas do setor, hierárquicas e lideradas maioritariamente por homens, a precariedade, a falta de mecanismos eficazes de denúncia e o medo de represálias fazem com que muitas pessoas hesitem em falar”, considera.
A associação nega ter recebido mais denúncias por email, como chegou a ser noticiado, mas sim partilhas que, não identificando agressores, relatam situações de violência, assédio e abuso. “É algo que acontece quando não há canais de denúncias oficiais que consigam dar resposta”, critica Mariana Liz.
Realizador cancelado avança com queixa-crime na Polícia Judiciária
Dois dias depois de ter visto o Indie Lisboa cancelar a exibição de dois filmes da sua autoria na sequência de uma denúncia de violência por parte de uma alegada ex-namorada, o realizador Ico Costa revelou que vai apresentar uma queixa-crime na Polícia Judiciária.
Num longo comunicado publicado nas redes sociais, o também produtor nega não só as acusações como afirma desconhecer Joana Sousa Silva, ilustradora e ex-estudante de cinema, de 28 anos.
No texto, Ico Costa rejeita ser “um agressor em série de mulheres”, como é acusado, e reafirma que as informações contidas no email de denúncia “nunca ocorreram, nem com essas pessoas nem com as outras seis alegadas vítimas”.
O realizador tece também críticas ao Indie Lisboa, por ter avançado com o cancelamento da exibição dos seus dois filmes, “sem que tenha estabelecido a veracidade da mera existência das queixosas”.
Ao JN, fonte do festival explicou que, como “subsistiu a dúvida” após o processo de reflexão interno, “sentimos que não existem condições para mostrar os filmes no festival de forma isenta”.
“Se fosse mantido, é admissível prever que esta sessão e esta participação tomariam uma dimensão que já não tem que ver com o filme em si, mas com esta denúncia. Retiramos os filmes para que haja espaço e tempo para que a situação seja investigada por quem de direito”, concluiu.