Há coisas que estamos preparados para perder e coisas que não. Não estávamos preparados para passar um ano sem estar num concerto ao vivo. Nem para não poder entrar numa livraria. Talvez a melhor forma de agradecer aquilo que tivemos quase sempre seja investir naquilo que tendemos a deixar para trás: o suporte físico.
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Se um dia entrar num hotel no Japão e encontrar um disco de Keith Jarrett, não estranhe. Há uma longa história de amor entre Jarrett e o Japão - Jarrett vive em Nova Jersey desde 1971 -, mais de 150 concertos, gente a chorar à chuva daquela capacidade de improvisação, e algumas gravações para a posteridade. Ouvir Jarrett no Japão tem qualquer coisa de quase bíblico. Mas ao vivo não voltará a acontecer.
Aquele que é um dos músicos de jazz mais influentes e singulares do mundo percebeu que nunca mais voltaria a tocar no final do ano passado, quando um duplo AVC lhe congelou a mão esquerda. O mais provável é que a caixa "Sun Bear Concerts," que guarda os concertos gravados no Japão em meados da década de 1970 do século passado, atinja um preço de colecionador. "Jarrett mais uma vez entrou na caverna da sua consciência criativa e trouxe à luz uma música de poder surpreendente, majestático e caloroso", escreveu então a revista Down Beat sobre a sua capacidade de nos deixar cativos.
"Sun Bear Concerts" é uma obra de arte. Ali estão os concertos a solo dados em novembro de 1976 em Kyoto, Osaka, Nagoya, Tóquio e Sapporo, em gravações feitas pelo engenheiro japonês Okihiro Sugano e pelo produtor Manfred Eicher, que viajou pelo Japão com Keith Jarrett. A embalagem, em formato de livro, tem design de Barbara Wojirsch e inclui fotografias de Klaus Knaup, Tadayuki Naitoh e Akira Aimi.
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Neil Young tem a mesma idade de Keith Jarrett, 75 anos. A partir do dia 12 de março, e depois de mais de dez anos de espera, será possível comprar a segunda parte da compilação do seu extenso trabalho, embora o músico tenha tornado gratuito o acesso à plataforma (neilyoungarchives.com) que aloja tudo o que assinou desde 1963, para ajudar as pessoas a contornarem a solidão provocada pela pandemia.
"Archives Volume II" incide também o período compreendido entre 1972 e 1976, uma fase especialmente prolífica e intensa da carreira de Young, durante a qual o canadiano - muitas vezes acompanhado dos Crazy Horse - lançou alguns de seus álbuns mais viscerais, como Time Fades Away ou On the Beach. A caixa contém 10 CDs com 131 temas, incluindo 12 canções inéditas e 49 novas versões inéditas dos clássicos de Young e ainda um livro de 250 páginas cronologicamente ilustrado com centenas de fotografias.
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No cinema, uma das maiores tentações de março chega no dia 30: a Leopardo Filmes lança a caixa de coleccionador AK7, que reúne sete filmes do período de ouro de um dos maiores e mais influentes realizadores da história do cinema, o japonês Akira Kurosawa (1910-1998): Viver - Ikiru (1952); Os Sete Samurais (1954); O Trono de Sangue (1957); A Fortaleza Escondida (1958); Yojimbo, o Invencível (1961); O Barba Ruiva (1965); e Dodeskaden (1970).
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Nas artes plásticas, um acontecimento raro tem data marcada para 23 de março: quatro trabalhos de Joan Miró (1893-1983) vão a leilão na Christie's, em Londres. "Le Piège", uma pintura a óleo datada de 1924, é excepcionalmente importante porque assinala o ano da explosão surrealista do pintor, e as obras desse período não costumam estar à venda. Há apenas 20 pinturas desse ano.
A obra tem um interesse adicional porque é um auto-retrato do pintor e representa a sua relação com o escritor francês André Breton. Miró pinta-se como se fosse uma árvore com cabeça solar e pénis ereto, regando a terra e transbordando energia incontrolável, pronto para conquistar Paris e fertilizar um novo mundo: "Para mim", escreveu ele, "uma árvore não é uma árvore, uma coisa que pertence à categoria vegetal, é algo humano, algo vivo".
Na literatura, o Sr. Teste acabar de publicar o tríptico "Método de Meditação/ A Prática da Alegria Perante a Morte/ Instruções Para o Encontro na Floresta", de Georges Bataille. "Nele encontramos uma aproximação filosófica aos seus textos mais íntimos, passando pela sua tomada de posição fora da filosofia académica, fugindo ao tom professoral. Riso, êxtase, ritual, meditação, erotismo, soberania... Todos estes conceitos vividos fora do cânone, pois trata-se aqui de pensamento e biografia em constante movimento, constante inquirição, constante vivência numa tentativa inconstante de expressão, pois deve-se dirigir ao silêncio o que não é possível dizer-se."