Meio musical mobilizou-se no apoio às vítimas do conflito. Dezenas de artistas participam em galas solidárias.
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Não eram mais de 20, mas nunca terão soado por tantos, os músicos da Orquestra Sinfónica de Kiev que, há duas semanas, interpretaram o hino nacional do seu país na praça central da capital ucraniana.
Com as forças russas a poucos quilómetros de distância e a ameaça omnipresente dos bombardeamentos, a orquestra reeditou o gesto da congénere londrina que, mesmo no auge dos ataques alemães na Segunda Guerra Mundial, nunca cessou a atividade, percorrendo o país em digressões.
No último mês, têm sido várias as manifestações artísticas em prol do fim da invasão russa. O apoio tem assumido variadas formas, como a criação de temas originais. Foi o que fizeram os UHF com "Ucrânia livre", readaptação do tema "Sarajevo", composto há 30 anos como um manifesto contra a guerra na ex-Jugoslávia.
Já está disponível desde, sábado, o vídeo de "Terra prometida". Este "hino pela paz" contou com o contributo de uma dúzia de vozes familiares (como Salvador Sobral ou Dulce Pontes), alunos da Escola de Jazz do Barreiro e um coro de crianças refugiadas.
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A mobilização do meio artístico tem passado ainda por espetáculos solidários cujos lucros revertem para as associações humanitárias que estão no terreno.
Só na última semana realizaram-se concertos no Pavilhão Rosa Mota e Teatro São Luiz que juntaram perto de cinco mil pessoas e um leque numeroso de artistas, entre os quais Camané, Jorge Palma, Maria João ou Pedro Abrunhosa. Nesse mesmo período, o Conservatório de Música da Maia e a comunidade ucraniana em Portugal também realizaram espetáculos destinados à angariação de fundos.
A agenda para as próximas semanas está repleta. Até 5 de abril, a Universidade de Lisboa e a Cáritas organizam quatro concertos em vários espaços da capital protagonizados por agrupamentos sinfónicos da academia. Já na sexta, Coimbra recebe "Somos todos Ucrânia - estamos juntos", com Ana Bacalhau, Cláudia Pascoal ou João Pedro Pais. Do roteiro faz parte o concerto organizado pelo músico Augusto Canário a 9 de abril, no Centro Cultural de Viana do Castelo.
A solidariedade não tem conhecido fronteiras. Patti Smith, Gogol Bordello ou os Arcade Fire foram alguns dos que passaram das palavras de condenação aos atos, participando em concertos antiguerra.
Se a guerra em curso na Ucrânia tem ajudado a despertar consciências no meio artístico, há projetos musicais cuja essência já é feita dessa luta pela paz.
É o caso dos La Lys, um quarteto musical e poético formado no Porto em 2016 que interpreta apenas canções sobre a guerra. Constituídos por Rui Spranger, Blandino Soares, Greta Vardenga e Sara Santos Ribeiro, os La Lys cantam em sete idiomas (português, francês, inglês, espanhol, italiano, polaco e croata) e fazem de cada espetáculo "um esforço de aproximação dos povos", explica o mentor do projeto, Rui Spranger.
A vontade de transmitir uma mensagem pacifista levou o grupo a excluir temas que, embora conhecidos, como "Bella ciao", continham apelos às armas ou a defesa de patriotismos.
Excetuando "Le deserteur", de Boris Vian, o repertório privilegia canções pouco conhecidas ou há muitos esquecidas, como "I didn"t raise my boy to be a soldier", música de 1915, muito popular no seu tempo, que foi utilizada na campanha contra a participação norte-americana na Primeira Guerra Mundial.
Cada concerto dos La Lys é uma viagem pelas guerras mais marcantes dos últimos 100 anos e inclui, além das canções, a leitura de poemas ou cartas de vítimas dos conflitos. Mas não só. Há também uma dimensão festiva que a banda procura trazer para o palco, "como se a música e a alegria fossem uma forma de resistência", diz Spranger.
