Coreógrafa e bailarina brasileira Deborah Colker leva espetáculo baseado em poema de João Cabral de Melo Neto ao Teatro Tivoli, em Lisboa, ainda este este ano.
Corpo do artigo
O corpo de trabalho de Deborah Colker precede-a e fala por si: dançarina, coreógrafa, escritora, mundialmente premiada e renomada, foi a primeira mulher a criar um espetáculo para o Cirque du Soleil, o famoso "Ovo", sendo ainda a diretora de movimento da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, tendo de coordenar mais de três mil pessoas para o efeito.
Agora, após conquistar o Prix Benois de la Danse e um público de mais de 400 mil pessoas no Brasil, EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Uruguai com o espetáculo "Cão Sem Plumas", Colker traz a sua companhia para três apresentações no Teatro Tivoli em novembro. Nos dias 21, 22 e 23, Colker mostra "Cão Sem Plumas" a Portugal.
Sobre a carioca, escreve-se na Culture Summit de Edimburgo de 2022: "não foi por acaso que a inquietação e o amor pela diversidade cultural se tornaram características da obra de Deborah Colker. Criada no estudo solitário do piano clássico e na emoção coletiva do vólei, a coreógrafa foi iniciada na dança contemporânea na década de 1980 pela grande bailarina uruguaia Graciela Figueiroa e seu grupo Coringa", é explicado.
Era apenas o início: em 1994, já depois de trabalhar em dezenas de peças e coreografar espetáculos musicais e videoclipes, Colker fundou a empresa com o seu nome. Da Companhia Deborah Colker saíram espetáculos marcantes como "Velox" (1995), "Rota" (1997), "Casa" (1999), "Nó" (2005), "Cruel" (2008), "Tatyana" (2011) e "Belle" (2014).
A dançarina trabalhou ainda com longas-metragens, com o Berlim Ballet e recebeu vários prêmios, incluindo o Olivier Award pelo ballet "Mix" em 2001 e o Prix Benois de la Danse pela coreografia que chega a Portugal, de "Cão sem Plumas", em 2018.
Nela, Deborah reúne aspetos de toda a sua carreira. "O espetáculo é sobre coisas inconcebíveis, que não deveriam ser permitidas. É contra a ignorância humana. Destruir a natureza, as crianças, o que é cheio de vida", explica Colker.
Publicado em 1950, o poema original de João Cabral de Melo Neto acompanha o percurso do Rio Capibaribe, que corta boa parte do estado de Pernambuco. Mostra a pobreza da população ribeirinha, o descaso das elites, a vida no mangue, de "força invencível e anônima". A imagem do "cão sem plumas" serve para o rio e para as pessoas que vivem no seu entorno.
Em cena, os bailarinos cobrem-se de lama, numa alusão às paisagens que o poema descreve, e os seus passos evocam os caranguejos. O animal que vive no mangue está nas ideias do geógrafo Josué de Castro, autor de "Geografia da Fome e Homens e Caranguejos", e do cantor e compositor Chico Science, principal nome do mangue beat.
Para construir um bicho-homem, conceito que é base de toda a coreografia, a artista não se baseou apenas em manifestações que são fortes em Pernambuco, como maracatu e coco. Também se valeu de samba, jongo, kuduro e outras danças populares. "A minha história é uma história de misturas", conta Colker.
Em palco, a dança mistura-se também com o cinema. Cenas de um filme assinado por Deborah e pelo pernambucano Cláudio Assis - realizador de longas como os premiados "Amarelo Manga", "Febre do Rato" e "Big Jato" - são projetadas no fundo do palco e dialogam com os corpos dos 14 bailarinos. As imagens foram registadas em novembro de 2016, quando coreógrafa, cineasta e toda a companhia viajaram durante 24 dias pelo interior do estado de Pernambuco, passando pelo sertão e agreste, até chegar à capital, Recife.
A jornada também foi documentada pelo fotógrafo Cafi, nascido em Pernambuco. Na banda sonora original estão mais dois pernambucanos: Jorge Dü Peixe, da banda Nação Zumbi e um dos expoentes do movimento mangue beat, e Lirinha (cantor do Cordel do Fogo Encantado, poeta e ator), além do carioca Berna Ceppas, que acompanha Deborah desde o trabalho de estreia, "Vulcão".
Outros antigos parceiros estão na cenografia e direção de arte (Gringo Cardia) e na iluminação (Jorginho de Carvalho). Os figurinos são de Claudia Kopke. A direção executiva é de João Elias, fundador da companhia. Os bilhetes já estão à venda (https://ticketline.pt/evento/CAO-SEM-PLUMAS-Comp-Danca-Deborah-Colker-73590) e começam nos 20€.