Um manifesto ambiental, flautas, um coro e visuais digitais imersivos. Björk trouxe mais do que um concerto a Lisboa: durante cerca de três horas, a arena quase cheia mergulhou no universo imaginário da artista islandesa. Neste regresso a Portugal, deu a conhecer “Cornucopia”, uma experiência multissensorial.
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Björk "aterrou" sexta-feira à noite na Altice Arena para recomeçar “Cornucopia”, pondo fim a uma longa ausência em Portugal. Neste primeiro concerto na Europa da digressão mundial, iniciada em 2019, que une os seus dois últimos álbuns, “Utopia” (2017) e “Fossora” (2022), os visuais digitais que surgiram no palco deixaram a sala visitar o universo imaginário de uma das mais criativas compositoras do mundo, em que a natureza e a tecnologia se unem para criar arte.
Entre jogos de luzes e som panorâmico na sala, surgem visuais digitais de fungos, flores e raízes, e soam cânticos de pássaros. Numa espécie de hipnose, o público é transportado para dentro do clássico de Lewis Carroll, mas este é um novo país. É o país das maravilhas de Björk. Uma ode à natureza que, embora alerte para o caminho de destruição que o ser humano tem trilhado desde que pôs os pés neste planeta, carrega a esperança de a humanidade ainda estar a tempo de mudar a forma como se relaciona com o ambiente.
Antes de “Utopia”, as luzes apagam-se e, apesar de se fazer silêncio, a mensagem é ensurdecedora. “O Acordo de Paris é uma utopia moderna impossível de imaginar, mas superar os desafios ambientais é a única maneira de sobrevivermos”, pode ler-se no palco.
Alguns temas depois, é o rosto de Greta Thunberg que deixa mais um alerta em vídeo sobre essa mesma urgência de combater a crise climática. “Estamos prestes a sacrificar a nossa civilização pela oportunidade de um número muito reduzido de pessoas continuarem a fazer quantias inimagináveis de dinheiro”, diz a ativista que começou por fazer greve às aulas para se sentar à porta do parlamento sueco como forma de protesto e acabou por levar milhares a exigir justiça climática nas ruas.
Como se assistisse a uma peça de teatro em que os temas são atos, as cortinas onde são refletidas imagens fecham e abrem à medida que Björk corre o alinhamento do espetáculo. A islandesa de 57 anos surgiu em palco com um vestido branco que a fez parecer uma nuvem nesse outro universo surrealista. Com uma máscara a cobrir parte do rosto, vestiu a “persona” que nasceu nos capítulos mais recentes da sua carreira. Nesta sexta-feira à noite, apresentou “Fossora” que dá nome ao último disco. Interpretou também pela primeira vez “Victimhood”. Nessa estreia, deu ao público português, de antemão, uma parte do videoclipe desta música mais melancólica sobre o seu divórcio.
Durante cerca de três horas, Björk interpretou mais de 20 temas dos últimos dois álbuns como “Blissing me”, “Sue me” e “Ovule” que mostram a “mutação” da sua discografia, cada vez mais alternativa. No passado ficaram os êxitos dos anos 90 que talvez alguns esperassem poder revisitar. Sempre acompanhada por clarinetes, harpa, batidas “techno” e outros instrumentos de percussão, bem como o já conhecido Viibra, septeto de flautas, na digressão anterior. Ao seu lado esteve sempre também o coro islandês Hamrahlíð que nos 15 minutos antes da hora do espetáculo interpretou, vestido com trajes tradicionais, alguns temas em acapella, como “Cosmogony”.
Bjork não se deixou fotografar nem filmar por ninguém: nem comunicação social, nem fãs. A artista islandesa pediu que não se distraíssem com os ecrãs e que aproveitassem o momento. “Não é permitido fotografar ou filmar”, repetiam os assistentes da sala. Mas a arena esteve cheia de câmaras. “Obrigada pela vossa paciência e por terem tornado possível gravar este espetáculo. Esperei vários anos para o fazer”, revelou. Só não se sabe quando e em que formato será conhecido.
Já no “encore” - no qual escolheu cantar “Notget” e “Future Forever” -, o público surpreende-a ao iluminar a maior sala de espetáculos do país com as lanternas dos telemóveis depois de um longo aplauso que a trouxe de novo ao palco. Björk, emocionada, só conseguiu agradecer. Contente por estar de volta a Portugal, durante toda a noite atirou uns “obrigado” arranhados pelo sotaque. Até inícios de dezembro, a artista tem 12 outras datas na nova digressão. A próxima paragem será já na segunda-feira, dia 4 de setembro, em Madrid, Espanha.