"O princípio, o meio, o fim e o infinito", filme de Pedro Coquenão, "resulta de um cenário vivido e criado" na Casa Independente, em Lisboa.
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A curta -metragem aborda "temas como o próprio Padrão [dos Descobrimentos], o racismo, o antirracismo, o colonialismo e o 'neon colonialismo' e, inevitavelmente, a saúde mental", explica a nota de imprensa.
Em entrevista à Lusa, Pedro Coquenão esclarece que o filme que é agora exibido, a 1 e 2 de outubro, no Padrão dos Descobrimentos, "resulta de um cenário vivido e criado", ao longo de um mês, num alojamento artístico que desenvolveu na Casa Independente.
"Tenta registar essa residência, as peças que foram expostas e as obras que foram apresentadas, nomeadamente um musical. Depois, cruza com esta ficção, que são as personagens IKOQWE, a viverem nessa residência, a interagirem com o espaço e a criarem eles próprios, também, um musical", detalha.
A tudo isto, soma-se uma rádio que foi emitida durante aquele mês no Largo do Intendente, "chamada Normal, que tem um locutor que vai contando a história".
Para este projeto, partiu de algumas obras suas, mas também de peças que foi "buscar ao acervo do Museu de Lisboa, com a ajuda da EGEAC, como a maquete original do Padrão dos Descobrimentos, esculpida por Leopoldo de Almeida, aguarelas de António Costa Pinheiro ou a escultura dos Pretos de São Jorge".
"Foi muito interessante para mim fazer essa conversa, entre coisas como a escultura original do Leopoldo de Almeida ou quadros do António Costa Pinheiro com coisas minhas, com coisas que pintei na parede ou peças que fiz com caixas de luz e pequenas instalações que fiz na casa inteira", conta o artista.
O que chega agora aos ecrãs "foi mesmo criado para ser real e vivido pelas pessoas que foram à casa durante aquele mês, e foi mesmo habitado por estas duas personagens", tendo sido desenhado para que não fosse "um 'making of' do que lá aconteceu, mas que fosse suplementar e levasse as pessoas para uma outra dimensão".
Além disso, o adiamento de apresentações, dada a pandemia de covid-19, levou à criação de mais material, "um complemento ao que foi lá feito".
Pedro Coquenão está "muito contente" com a projeção no Padrão dos Descobrimentos "porque o espaço em que vai ser apresentado é desconhecido para a maior parte das pessoas" e permite "ver uma curta com a dignidade que uma curta merece, e conversar um bocadinho sobre isso, sobre o filme e sobre o porquê de estarmos ali dentro daquele monumento".
"Aquele monumento é muito imponente (...), ele entra pelo rio adentro, não parece que está a ir para o oceano, parece que está a ir pela Trafaria adentro", destaca o artista, frisando que "tem uma série de problemas que são normais na História - a representatividade é terrível, pobre, [tem] apenas uma mulher, se não me engano, a mãe do Infante D. Henrique", a rainha Filipa de Lencastre.
Para o realizador, "não há uma representação, de todo, do que foi o diálogo daquela época com tudo aquilo que é o que valida muita gente defender essa época como uma época dourada da História".
Mas acredita que a sociedade tem "evoluído muito nestes últimos anos, e há uma visão do Padrão como algo que, de facto, é obsoleto, e que retrata uma História numa perspetiva que é muito limitada" e que, à luz do que se sabe hoje, se torna num "agressor".
"Visto de costas, ele não é um barco, não são velas, é uma espada, uma espada muito forte ali fincada", que "leva consigo muitas cruzes e muitas espadas", demonstrando que o intuito da viagem não era "conhecer pessoas ou descobrir o mundo", mas antes "fazer aquilo que qualquer país poderoso e opressor hoje faz".
Aquele monumento e o Cristo Rei, exemplifica, "são coisas muito definidoras" da capital "de um país que se afirma laico e diverso e, no entanto, essas duas representações muito fortes e altivas na cidade são reveladoras de uma outra forma de ver as coisas".
"O filme tem essa leveza, mas tem essa preocupação de, imaginando dois personagens que chegam à cidade e olham para ela, se calhar estranharem algumas coisas que se calhar não são tão lineares para quem aqui entra de repente".
Depois de ter sido estreado no Indie Lisboa, uma nova versão de "O princípio, o meio, o fim e o infinito" é agora mostrada no Padrão dos Descobrimentos nos dias 1 e 2 de outubro, mas faz também parte da seleção de filmes do Womex 2021, que se realiza no Porto de 27 a 31 de outubro.