
Martim Pedroso e Dalila Carmo no Teatro Carlos Alberto, no Porto
Amin Chaar/Global Imagens
Martim Pedroso apresenta no Carlos Alberto um manifesto anti-idadismo protagonizado por Dalila Carmo a partir de John Cassavetes.
A história de cumplicidade manifestada em "Noite de estreia", que sobe esta quarta-feira à cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, com récitas até sábado, sempre às 19 horas, tem a génese nos anos 2000.
Foi no Festival de Teatro de Almada, onde uma recém-regressada a Portugal Dalila Carmo, "muito skinny, a lembrar a Juliette Lewis", tem na plateia da peça "A lição de Ionesco" um adolescente aspirante a encenador, Martim Pedroso. Foi preciso quase uma década até que a atriz fosse ver um espetáculo de Pedroso e se declarasse sua fã.
A partir daqui começa uma relação de cumplicidade "onde podemos berrar, onde é promovida a voz do ator e onde há diálogo sem afrontas e disputas hierárquicas", contam, em atropelo, ao JN, o encenador Martim Pedroso e a atriz Dalila Carmo, para justificar o porquê de serem o duo dinâmico capaz de levar à cena "Noite de estreia", adaptação do filme homónimo de 1977 de John Cassavetes, pai do cinema independente americano.
Jogo de espelhos
Adaptar um clássico da sétiama arte ao teatro não é uma tarefa elementar. "Eu tenho sempre receio de tudo, mas esse medo é que me alimenta", lembra Martim Pedroso a propósito do repto lançado por Dalila Carmo.
A atriz conta que quando voltou a ver os filmes de Cassavettes, algo que faz a cada década, teve uma "catarse" com a personagem de Myrtle, a atriz em crise existencial a quem é dado um papel desajustado, desempenhada por Gena Rowlands.
"De repente tudo fazia sentido. Abriu-se uma dimensão de profundidade: o conflito com a idade, com o mundo artístico, com o mundo masculino de produtores, encenadores e autores". Uma clarividência dada por décadas de carreira. "A indústria quer-nos retirar a identidade e perpetuar uma juventude. O meu prazo faço-o eu." Dalila Carmo decidiu que estava na altura de a transportar para o teatro.
Martim Pedroso levou um pouco mais de tempo. "Vi e revi o filme várias vezes, quase frame por frame, e pensei na linguagem, porque as traduções são más e como estamos perante um jogo de espelhos, onde há um filme sobre uma peça de teatro, era preciso ter cuidado". Mas manteve o guião de Cassavetes.
Um herói incomoda
Como o pretendido não era uma colagem à atriz Gena Rowlands (mulher de Cassavetes), começaram uma série de questionamentos sobre a verdade e a humanidade. "Porque são as mulheres penalizadas por serem vocais? Porque há uma penalização identitária em que quando um homem fala é um exercício de poder e quando uma mulher fala é um exercício de histeria?", interroga Dalila Carmo.
Martim Pedroso anui. "Um herói, para o ser, tem de incomodar. Nunca ninguém se tornou herói sendo invisível." Esta reunião de ideias resultou num "manifesto não panfletário contra o idadismo na indústria".
O elenco teve vários formatos, em função das três estreias marcadas e canceladas. Chega ao palco com Dalila Carmo, Heitor Lourenço, João Araújo, João Reis, Margarida Bakker, Maria José Paschoal, Marta Félix e Sabri Lucas.
"Eu não faço teatro por feijões", adverte Martim Pedroso, que reclama um elenco "onde o ator é criador, tem uma voz. Porque é da interpretação que eu venho".
Sobre a estreia no Carlos Alberto, Dalila Carmo lembra que "o Porto é a minha cidade, eu sou daqui, agora tenho menos raízes do que antes, a minha mãe foi para Lisboa e a minha avó faleceu, mas um chão que nunca se perde". A atriz diz ter saudades de Isabel Alves Costa, sua professora, que ia sempre vê-la. Já Martim Pedroso diz sentir-se "acarinhado por um público que é menos hipócrita do que em Lisboa".
