Damiano David no Kalorama: pop, canções de amor, “Deslocado” dos Napa e o confirmar de um fenómeno
Na última noite e último concerto, já de madrugada, do festival da Bela Vista, o vocalista dos Måneskin juntou uma das maiores massas de gente deste ano. O italiano não defraudou o público que já o parece conhecer, seguir, e em casos idolatrar, num concerto que apenas pecou por curto.
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No campo de novidades e dos concertos mais aguardados do ano no Meo Kalorama 2025, Damiano David era um claro líder. Se os Måneskin, grupo do qual foi vocalista, sempre teve, desde que venceu a Eurovisão em 2021, bastante hype e muitos seguidores, o fervor em torno do italiano e da sua ainda imberbe carreira a solo era notório há meses, na rádio, nas redes sociais, até nas conversas, pelo festival da Bela Vista. A olho nu – a organização ainda não divulgou números – o último dia da edição deste ano poderá ter sido um dos mais cheios, muito por culpa do artista de 26 anos.
Mesmo antes da entrada do cantor no palco principal, para o último concerto do evento, marcado para as 1h55 já de domingo, se percebeu como havia fás a não arredar pé, a dormir um pouco se preciso para aguentar a espera: houve um acorrer ao palco secundário como é costume, neste caso para o ecletismo musical único de Branko, “da Bela Vista para o Mundo como dizia” o português, “Wegue wegue” dos Buraka Som Sistema na reta final; mas manteve-se a concentração junto ao Palco Meo.
À hora marcada, toca o telefone – literalmente –, entram os instrumentos e logo depois o cantor, t-shirt branca e calças de lantejoulas pretas, começando com “The first time”, gritos no público, fãs com cartazes, pedidos, declarações, crianças, muitos a cantar, do princípio ao fim.
“Olá, Portugal, quero ver as vossas mãos no ar”, pediu antes de “Voices” e em ginga constante, tal como é permanente a sua interação com o público. Com um espetáculo perfeitamente composto, banda completa em palco e cantores de coro incluídos, depois de “Tango” dirige-se novamente aos fãs, “Olá, Lisboa”, em português, depois
pedindo desculpa de não dominar a língua, só sabendo dizer a frase anterior e… canta subitamente o refrão inteiro de “Deslocado”, dos Napa, em português, acrescentando depois em inglês “que grande canção, devia ter ganho a Eurovisão – depois da Itália, claro”, logo ressalva.
Dedica a próxima música à companheira (a conhecida atriz Dove Cameron) e a “todos os apaixonados”, e “se sabem não se esqueçam de cantar" – sendo o tema “Mars”, saído de “Funny little fears”, primeiro e ainda único disco a solo, editado há pouco mais de um mês. Segue-se “Nothing breaks like a heart”, canção popularizada por Miley Cyrus que até é das que mais demonstra a sua carismática voz, ligeiramente rouca, ligeiramente nasalada.
Depois de “Zombie ladie”, o artista italiano agradece ao público, dizendo como são maravilhosos, e lembrando como, quando anunciou um disco a solo, ainda para mais com uma sonoridade diferente (mais pop) do que o rock que popularizou os Måneskin, foi muito criticado. E nessa nota, anuncia uma cover, porque gosta das fazer, e gosta deste tema e porque pode, numa boa rendição de “Too sweet”, de Hozier.
“Angel”, “Tangerine” e o hit “Born with a broken heart” marcam a fase final do concerto, com tempo ainda para vestir a t-shirt da Seleção portuguesa e fazer o “Siimm” de Cristiano Ronaldo, “Solitude” na saída.
Menos de uma hora de concerto depois, num espetáculo que pecou por muito curto, fica a clareza de que se Damiano David é este fenómeno, de fãs e não só, menos um ano depois de ter estado no Super Bock Super Rock com os Måneskin, com um disco fresquíssimo a solo, a velocidade com que tudo isto aconteceu, auspicia um horizonte onde tudo é possível.
Jorja, Royel Otis e muito mais
No primeiro dia de verão, o sol nasce às 06:10 e põe-se às 21:06, com o dia a durar 14:55:47. Sábado foi o dia mais longo do ano e, no Kalorama, foi a habitual maratona de música de quase 12 horas, incluindo artistas como Jasmine.4, Jennifer Cardini, Noga Erez – com muitas declarações de amor ao público português –, e os ecléticos e contagiantes já “habitués” por cá, BadBadNotGood, entre outros.
Pelo meio, dois destaques: no palco secundário, Royel Otis, indie pop-rock despretensioso e eficaz, música saída do sol e surf da Austrália, um concerto com muito público, bem acolhido, incluindo temas novos. Com um conceito de palco bem-humorado, um ecrã de fundo com recados ao público, tal como “agora dança com a pessoa ao teu lado” em “I wanna dance with you”, e os ecrãs laterais a mimicar a emissão de um live stream, o concerto incluiu as habituais covers virais “Murder on the dancefloor”, de Sophie Ellis-Bextor, e “Linger”, dos The Cranberries, no final.
No palco principal, e antes de Damiano David, a britânica nomeada para um Grammy Jorja Smith, aqui na sua terceira passagem por Portugal. Logo ao ouvi-la, primeiras notas, pensamos como já tínhamos saudades de soul na grande diversidade de sons que povoaram o Kakorama deste ano, faltava uma voz e alma do soul, daquelas em que a voz é um espelho. Jorja é essa voz, essa presença. A artista é serenidade, beleza, classe. E timidez, doçura, contenção, menos na voz, que se solta. Como em “Addicted”, ou “Teenage fantasy”, encetada à capella; ou “Be honest” e “On my mind”. “Feliz” por estar em Lisboa, Lisboa foi feliz por a acolher novamente.