Festival Dias da Dança apresentou Ana Isabel Castro em Gaia e Sónia Baptista em Matosinhos
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Há uma frase inspiracional que diz: “Dança como se ninguém estivesse a ver”. Do ponto de vista do artista, pode ser um excelente motor para derrubar barreiras criativas ou técnicas. Mas, nesta equação de otimismo, sobretudo quando se trata de um festival como o Dias da Dança (DDD), que encerra hoje, é necessário não obliterar o recetor: o público. Ana Isabel Castro será a artista mais representada na história do certame, tendo estreado nesse palco quatro produções: “Marengo”, “Icebergue”, “Pechisbeque”, e ontem “Adoçar”, no Auditório de Gaia.
“Adoçar” é uma proposta pouco conseguida e confusa na execução, apesar de ser evidente o virtuosismo técnico de Ana Isabel Castro como bailarina, cuja entrega física remete para a sua intensidade expressiva. Mesmo que a coreografia falhe em criar coerência ou emoção – ao que não ajuda o facto de ser apresentada sem música –, mantém uma presença forte em palco, com movimentos limpos e energia controlada.
É inegável que, apesar da peça, o talento da intérprete se destaca, mas, o público que lá estava para a ver, merecia algo com um pouco mais de intenção do que ver uma bailarina a fazer exercícios e pequenas magias como se estivesse no conforto do estúdio. Sim, dançar como se ninguém estivesse a ver tem o seu encanto – mas o público estava lá.
Banquete cénico
“King size”, de Sónia Baptista, único espetáculo a ter récitas canceladas devido ao apagão de 28 de abril, é um deleite. A artista serviu no Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, um banquete cénico onde nada falta e tudo surpreende. A cenografia é uma festa visual: ora kitsch, ora requintada – que nos faz sentir dentro de um sonho pop torcido.
A luz tem vida própria, piscando, dramatizando e, às vezes, parecendo que também quer dançar. A música é cúmplice travessa, a puxar-nos o tapete e a devolver-nos ao espetáculo com um sorriso.
A dramaturgia é um puzzle delirante, brilhantemente absurdo, que mistura crítica social sobre a masculinidade tóxica e gargalhadas inesperadas. “King size” não se vê, saboreia-se como um bolo extravagante que não sabíamos precisar, mas do qual queremos mais uma fatia.v