"Naquele dia em Lisboa", filme de 1940 que evoca a chegada de judeus a Portugal na II Guerra Mundial, estreia hoje em Braga com remontagem de Daniel Blaufuks e nova banda sonora eletrónica de Matthew Herbert. O JN ouviu os dois artistas.
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O Theatro Circo, em Braga, estreia este sábado (21.30 horas) o cineconcerto "Naquele dia em Lisboa", singular projeto que junta a visão do fotógrafo e realizador português Daniel Blaufuks aos tons eletrónicos do compositor britânico Matthew Herbert. O espetáculo, que terá uma segunda récita na Culturgeste, em Lisboa (terça-feira, 21 horas), surge no quadro do Cinex, programa de cinema expandido de Braga 25 - Capital Portuguesa de Cultura.
A partir de imagens filmadas em 1940 por Eugen Schufftan (1893-1977), o lendário diretor de fotografia de "Metrópolis", estrondosa ficção especulativa de Fritz Lang de 1927 -, Blaufuks constrói um retrato íntimo e dilatado do quotidiano de uma cidade-refúgio durante a Segunda Guerra Mundial.
Os mesmos erros e outros
Nesse regresso ao passado, que aborda a chegada de refugiados europeus a Portugal durante a II Guerra Mundial, projeta um gesto no presente - e faz um paralelismo com os exílios e migrações da atualidade. Mas a ideia é também tentar salvar o futuro, como confessou o artista ao JN.
"Continuamos a necessitar de ir ao passado para encararmos o futuro e não cometermos os mesmos erros. Infelizmente, cometeremos outros e, se não soubermos lidar com os mecanismos, que são idênticos, acabaremos com resultados muito semelhantes", adverte Daniel Blaufuks na antecâmara desta estreia em Braga.
A partir do material fílmico raro de Schufftan, resgatado do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, regista o momento em que milhares de refugiados, sobretudo judeus, faziam uma silenciosa travessia rumo à liberdade. Com narração do ator alemão Bruno Ganz, "Naquele dia em Lisboa" é uma meditação visual sobre memória, tempo e invisibilidade, expandida agora com nova montagem e banda sonora original criada por Matthew Herbert em colaboração com Momoko Gill e Dirar Kalash.
Não é só entretenimento
Para o compositor britânico, também ouvido pelo JN, este é um tempo em que "faz todo o sentido" recordar o que aconteceu na II Grande Guerra e trazê-lo para o presente. É incompreensível a crueldade que ainda existe e como o ódio e a desinformação são ativa e orgulhosamente promovidos por algoritmos e políticos tradicionais", lamenta Matthew Herbert.
Por isso, vinca o autor do disco "The end of silence" (2013), "é sempre importante lembrar aqueles que sofreram no passado e que sofrem hoje em Gaza, na Ucrânia, no Congo, na Síria ou noutros locais do nosso mundo".
Daniel Blaufuks dá a deixa final. "Espero que este espetáculo não seja só entretenimento, mas também uma experiência introspetiva e alargada", afirma o realizador.