Livro de Abel Soares da Rosa destaca o papel crucial de José Santa-Bárbara nos discos de José Afonso.
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A utopia – esse reduto único entre o sonho e a luta – foi uma das traves-mestras dos discos de José Afonso. Encontramo-la nas suas palavras, nos sons, melodias e arranjos, mas também nas suas capas.
A entrada nesse universo musical tão fértil já acontecia mesmo antes da audição dos discos, por força das suas capas e do respetivo arranjo gráfico, que excediam em muito o papel meramente ornamental que até então lhes estava atribuído.
A partir de uma exposição realizada em 2022, no Centro Cultural Cinema Europa, em Lisboa, Abel Soares da Rosa levou por diante o projeto de reunir em livro todo esse acervo. “Santa-Bárbara, capista de Zeca”, título cunhado por Fernando Assis Pacheco numa entrevista feita no início da década de 70, é, pois, um mergulho nessa mente criativa que não dispensava a consciência social e empenho político profundo.
Entre ambos, Afonso e Santa-Bárbara, estabeleceu-se assim uma parceria que, radicando na amizade, extravasou também para o campo artístico. Esse entendimento perfeito entre ambos não resultava, curiosamente, de longas conversas, estudos ou preparativos. Como explica o próprio artista a dada altura do livro, o autor de “Grândola, vila morena” primava pelo laconismo sempre que lhe entregava a encomenda de uma nova capa.
A confiança no seu trabalho era tal que se limitava a transmitir-lhe umas coordenadas vagas que eram apreendidas na perfeição por este artista multifacetado, que também empregou o seu talento no design (o inconfundível símbolo da CP, por exemplo, é de sua autoria).
Desde “Cantares do andarilho”, em 1968, até quase ao fim da sua discografia, uma década e meia mais tarde, José de Santa-Bárbara foi o escudeiro fiel que interpretou por imagens as subtilezas líricas e sonoras do cantautor.
Em “Cantigas do Maio”, porventura o mais importante disco de música popular portuguesa, criou uma capa que “nos transporta para a renovação, as mãos que trabalham, constroem e lançam as palavras, a primavera que nunca aconteceu”, como escreve o autor do livro editado pela Lusitanian.