David Bruno leva a medalha de ouro do humor no Primavera Sound Porto 2025. Com o artista de Gaia, sentimo-nos mais portugueses.
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Glorificação de Gaia e suas freguesias, elogio dos tascos e do McDrive de Canidelo, convidados como Rui Reininho e Presto (Mind da Gap), o performer António Bandeiras a fazer uma crista em palco para se tornar o “Robert de Niro de Caxinas”, letras que misturam línguas e a figura tutelar de Valentim Loureiro, sempre a espreitar do ecrã em fundo. Eis o concerto de David Bruno, artista que benzeu o palco com água do Senhor de Pedra e que se esforça sempre a 90 por cento.
Foi só o momento mais divertido e boa onda de todo o festival. Aos estrangeiros escapam certamente as referências do músico que se apresentou de fato escuro, óculos de sol e poupa com gel. Mas os portugueses escangalham-se a rir. Poderia pensar-se, sem um olhar atento, que David Bruno descobriu o seu filão na mofa às supostas parolices da portugalidade, um campeão do kitsch que ostenta as travessas de inox ou o sotaque carregado do Norte como troféus de uma arte zombeteira. Mas o que se vai percebendo é um genuíno amor do artista às “nossas coisas”, um carinho infinito pelo chão embodegado do restaurante Carpa e suas costeletinhas, pelo Inatel, pelo Mozart Piano Bar (um clássico de Gaia), pelos não-lugares dos subúrbios e pelas personagens que os habitam. Todo este imaginário é incorporado pelo músico - não para o enxovalhar, antes para o elevar a matéria indestacável da cultura e idiossincrasia portuguesas. Se depois tudo isto faz rir, só revela uma saudável capacidade de gozarmos com nós próprios.
Mas há também música, além do bom humor? Há certamente, e de recorte fino. David Bruno entrega as suas rimas que brincam com “vouchers” e “pinschers”, evoca os emigrantes portugueses numa linguagem híbrida que diz “Faites attention avec le camiens/Porque eles vêm tolos em contramão”, tudo num ambiente pop em que a guitarra de Marco Duarte dialoga com requintados beats e se entrelaça em arranjos que chegam ao flirt com composições de Nino Rota. Há cultura musical, há precisão, há sentido de ritmo e de espetáculo. E é pela consistência desse universo que David Bruno atrai ao palco senadores como Rui Reininho, que com ele partilhou “Tema do Sequeira”, e músicos como Presto, Mike El Nite ou a cantora apresentada como Helena de Vilar do Paraíso.
Entre muitas gargalhadas e balanços, o concerto evolui não só como atuação musical, mas também performativa, sucedendo-se os episódios e os apartes. No final, o grande triunfo de David Bruno é este: sentimo-nos mais portugueses.