"Lost and found" reúne temas inéditos escritos nos últimos 15 anos, resgatados em tempo de pandemia.
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David Fonseca estava a trabalhar em novas canções quando "o Mundo começou a acabar". Para quase toda a gente, em meados de março, quando a pandemia se impôs, o Mundo começou a acabar. Alguns prometeram ler mais, fazer mais desporto, iniciar aquelas arrumações há tanto tempo adiadas. David Fonseca resolveu visitar o seu arquivo - "As circunstâncias pediam um Mundo diferente" - e nas escavações encontrou os 16 temas de "Lost and found - b-sides and rarities".
"Era a altura certa para uma retrospetiva", disse o cantor ao JN. "Larguei tudo e enfiei-me no arquivo." À procura de quê? "Queria temas acabados e sem edição oficial." O que não significa que todo o material seja inédito, pelo menos para os seguidores mais fiéis. Nesta recolha, que junta canções escritas entre 2005 e 2020 (a última delas, "Só depois, amanhã", é a única nunca editada ou sequer gravada), encontram-se faixas presentes em edições raras e limitadas e outras que integraram discos produzidos exclusivamente para o clube de fãs do cantor, o Amazing Cats Club.
Na descrição que David Fonseca faz de cada uma das canções abundam termos e expressões como "desespero", "solidão", "apocalipse" ou "onda gigante a varrer tudo e todos". Terá sido essa uma das razões para segurar os temas no arquivo? Um certo pudor em revelar essas abordagens mais negras? "Não sei se houve pudor. Há de facto um lado melancólico nestes temas. E as razões para terem ficado de fora são diversas, como não se enquadrarem na temática dos outros discos."
"Espírito de aventura"
Alinhados sem ordem cronológica, o que parece unir estes temas, diz David, é o seu "espírito de aventura". Uma aventura estimulante para o próprio autor, que reencontrou novas pistas e possibilidades.
"Nothing wrong", que é "escrita à volta de um esqueleto no armário e da sua negação", é um bom exemplo das surpresas que o arquivo encerrava: "Tive a sensação de ouvi-la pela primeira vez, é uma balada contemplativa que cria um ambiente específico. Normalmente, quando faço algo, não sei para onde as coisas vão. É a intuição a decidir, deixo as canções falarem. Mas reconheço que há aqui instrumentais mais longos, canções que se expandem sem o corte clássico dos singles."
Uma das premissas do trabalho era não tocar nas canções e exibi-las tal como foram encontradas, o que permite acompanhar a evolução da voz do cantor, cada vez mais dominada por graves. "É também um diálogo entre vários eus", explica David. "Observo não só os diferentes tons da voz, mas as diferentes interpretações e estados de espírito."
Sobre a possibilidade de voltar ao arquivo para um segundo volume de raridades, o cantor deixa tudo em aberto: "É saudável olhar para o arquivo de tempos a tempos, mas espero que não seja preciso uma nova pandemia para o fazer. Temos de voltar a entrar em modo de trabalho e criar novas coisas."