José Miguel Ribeiro e José Eduardo Agualusa falam-nos de "Nayola", primeira longa-metragem portuguesa de animação a estrear nos cinemas.
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Já está nas salas de cinema "Nayola", primeira longa-metragem portuguesa de animação do ano. É baseada numa peça dos escritores José Eduardo Agualusa e Mia Couto, sobre três gerações de mulheres angolanas flageladas pela guerra civil. E é um acontecimento cinematográfico. O JN falou com o realizador José Miguel Ribeiro, e com o autor do conto que deu origem à peça, José Eduardo Agualusa.
O que o levou a fazer esta viagem a Angola?
José Miguel Ribeiro (JMR) - Conheci a peça quando fui a Angola fazer um workshop e o Jorge António, que vive lá há mais de 30 anos, perguntou-me se não gostaria de a adaptar. Li e fiquei tocadíssimo pela dimensão humana das personagens. Pessoas com a capacidade de sonhar, de passar os valores de geração em geração.
Do ponto de vista do autor, como é que este processo foi visto?
José Eduardo Agualusa (JEA) - Quando o Jorge António me falou no projeto fui ver algumas coisas do José Miguel. E lembro-me de ter ligado ao Mia a dizer-lhe para estar tranquilo, porque estávamos muito bem entregues. Este homem é extraordinário, isto não é normal, é outra dimensão.
Que reação teve, quando viu o filme?
JEA - Quando vi pela primeira vez, vi com os meus filhos, ainda no computador, e eles ficaram encantados. A minha filha disse que sentia que era a primeira vez que estava a ver um filme angolano. E chorámos os três, foi muito comovente. É um filme com muitas camadas. De cada vez que vejo o filme descubro sempre alguma coisa nova.
Quando escreveram a peça, pensaram que daria origem a um filme de animação?
JEA - É muito interessante o percurso que os textos têm. A peça surgiu de um conto meu. Foi uma proposta de um grupo português, de Tondela, o Trigo Limpo. Tínhamos feito para eles uma comédia, que correu muito bem. Pediram-nos outra e fizemos uma coisa muito mais sombria. Foi um flop absoluto, pensámos que aquele texto tinha acabado ali.
Foi preciso uma grande dose de loucura para se atirar a uma longa de animação..
JMR - Fui ao engano, pensava que ia fazer 40 minutos de animação e os outros 40 fazia o Jorge António, em imagem real. Acabei com 80 minutos só de animação e um orçamento muito maior. Mas já estava dentro do barco e quando entro só paro quando chega ao outro lado.
Quais foram os maiores desafios?
JMR - Não havia propriamente profissionais. Precisávamos de uma coordenadora de produção que falasse várias línguas, para falar com os holandeses, com os franceses. Trabalhei com muitos alunos meus e construímos uma equipa fantástica, sem termos em Portugal uma formação para longas. Todos nós aprendemos juntos com este caminho.
Por coincidência de produção, há outra longa a estrear em breve, "Os demónios do meu avô". O cinema português está preparado para dar continuidade a este trabalho?
JMR - Pergunto é se as instituições estão preparadas para continuar e até alargar essa dinâmica. Neste momento temos um apoio do Instituto de Cinema e Audiviosual de um milhão de euros, mas de dois em dois anos, o que cria alguma descontinuidade. Será necessário reforçar isto para anual. E há uma falha importante, não só na animação, que é a participação das televisões.
Como é que conseguiu fazer um filme tão angolano?
JMR - A cultura africana já influencia a cultura europeia há muito tempo. As máscaras africanas tiveram uma influência enorme em momentos centrais da produção artística europeia. E há artistas contemporâneos que descobri. Basta ir a Angola e andar por lá, ver aquela terra, ao final do dia, quando o sol se começa a pôr. Há uma intensidade na natureza que é arrebatadora.