Peste negra é o pano de fundo da nova tragicomédia "Decameron", na Netflix.
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1348. A peste negra devasta a Itália, matando indiscriminadamente nobres e plebeus, ricos e pobres, religiosos e ateus. Com este estado de coisas, o convite feito pelo senhor de uma propriedade isolada, ainda livre da doença, a uma série de privilegiados nobres, com os seus servos, soa como uma bênção dos céus - e por isso um grupo heterogéneo de pessoas dirige-se para o aparente paraíso que dá pelo nome de Villa Santa, nas belas colinas da Toscana.
Para além da fuga da pestilência, os nobres, conforme os casos, anseiam por uma proposta de casamento, riqueza, relações amorosas ou encontrar um sentido para a vida. Quanto à categoria inferior dos servos, as expectativas são quase nenhumas.
Se o tom inicial parece negro e pesado - evoca até tempos de outra epidemia que recentemente vivemos... - a verdade é que, aos poucos, a tragédia deriva em tragicomédia, a que não é estranha a inspiração que Kathleen Jordan, criadora de "Decameron", retirou livremente da obra erótica homónima de Giovanni Boccaccio (1313-1375).
A junção de uma série de desconhecidos, confinados num espaço limitado, numa convivência nem sempre pacífica, em que o desejo, a lascívia, o egoísmo e o instinto de sobrevivência fazem esquecer diferenças sociais e convenções, proporcionando uma sensação de liberdade que de outra forma não teria lugar, transforma a narrativa numa sucessão de surpresas, intrigas e armadilhas, com a peste a cobrar o seu quinhão, o sexo a ter lugar livremente e os diferentes protagonistas a acentuarem o tom rocambolesco do todo.
Com um excelente ritmo narrativo, sem tempos mortos, privilegiando o inesperado e o imprevisto, um elenco multinacional em que se distinguem os desempenhos de Tony Hale (Sirisco), Tanya Reynolds (Licisca) ou Douggie McMeekin (Tindaro), "Decameron" conta ainda com uma bela banda sonora, alegre, mexida e a pedir um pezinho de dança, anacronicamente em contraste com a época da ação.