No Dia Mundial da Dança, que hoje se celebra, o Festival DDD oferece quatro estreias no Porto.
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São quatro peças e oferecem-nos quatro caminhos para atravessar o mundo: caminhos de celebração, de fricção, de subversão e de esperança. "Vamos dançar para celebrar. Vamos dançar porque podemos. Por isso, vamos dançar", propõe o Festival DDD - Dias da Dança, que decorre no Porto até 4 de maio. Após o apagão nacional de ontem, a assessoria do certame previa que hoje haverá espetáculos.
Em "Friends of Forsythe", para ver no Teatro Campo Alegre, às 19.30 horas, William Forsythe volta a fazer o que faz como ninguém: desenhar espaços invisíveis entre os corpos. A nova criação, nascida da colaboração com Rauf “Rubberlegz” Yasit, Lex Ishimoto, Julia Weiss, Brigel Gjoka e o JA Collective, é uma celebração da dança como linguagem primordial. Cada gesto é uma palavra antiga que ainda vibra nas articulações. A folia do folclore, a eletricidade do hip-hop, a precisão do balé – tudo aqui se funde e se empurra, reconhecendo as raízes sem as fixar, permitindo que a tradição se torne matéria viva. Vê-los dançar é como ouvir uma língua estrangeira e, ainda assim, entender tudo. Uma afirmação de que a diferença não separa: tece união.
Na coreografia silenciosa do inconsciente, Vera Mantero e os seus cúmplices propõem uma outra travessia: "C.C. crematística e contraforça". Desde "O susto é um mundo" que o trabalho de Mantero se adensa em torno da ideia de fricção: entre corpo e objeto, entre palavra e gesto, entre sonho e matéria. Aqui, os corpos são quase signos. Multiplicidade, incandescência, encantamento – palavras/mantras que orientam uma caminhada no limiar do visível. Como se cada ação banal pudesse, de repente, rasgar uma fenda no real. Como se cada toque, cada respiração, pudesse fazer germinar outra maneira de estar no mundo. Às 21.30 horas, no Teatro Rivoli.
Ironia como arma
Com "King size", Sónia Baptista empunha a ironia como arma e o excesso como forma de revelação. Através das práticas drag king/queer, a peça desmonta o edifício rígido da masculinidade, expondo os seus andaimes frágeis, os seus gestos aprendidos. Aqui, o género é um palco, uma máscara – e no ato de mascarar, revela-se.
Cada performer encena, subverte, amplifica: a masculinidade espetacular torna-se um espelho deformado onde reconhecemos, às vezes com riso, outras vezes com desconforto, os papéis que habitamos sem pensar. "King size", é uma coreografia da liberdade: dançar para desconstruir, dançar para dizer “não”, dançar para recomeçar. Para descobrir às 19.30 horas, no Teatro Constantino Nery, em Matosinhos.
Por fim, "e nunca as minhas mãos estão vazias", de Cristian Duarte (21.30 horas, Teatro Campo Alegre), devolve-nos ao gesto mais essencial: o de oferecer. O título, retirado de um poema de Sophia, cantado por Maria Bethânia, é uma promessa de resistência.
No Brasil atravessado pela violência e pela desigualdade, a peça convoca nove corpos para compor um espaço de escuta e de resposta. Sem hierarquias, sem gritos, sem esmagar a diferença: só a insistência paciente do encontro.