Obra do realizador francês passa em várias cidades do país em cópias restauradas.
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É um dos mais amados dos realizadores franceses. Na sua vida curta de 59 anos, terminada com uma doença que o levou em 1990, Jacques Demy deixou apenas uma dúzia de longas-metragens para o cinema, a que se juntam obras coletivas ou para televisão e algumas curtas-metragens. Mas alguns dos seus filmes são hoje ainda vistos com uma lágrima no olho, como “Os Chapéus de Chuva de Cherburgo”, pela história que contam mas também pela emoção e pelo prazer único que transmitem ao espetador.
É essa obra que, a partir de hoje e nos próximos dois meses, em Lisboa, no Porto e em Coimbra, vamos poder descobrir ou recordar, em cópias restauradas, em alguns casos inéditos comercialmente em Portugal, como é o caso de um programa único e imperdível com algumas das curtas-metragens com que iniciou a sua carreira.
Jacques Demy nasceu a 5 de junho de 1931, em Pontchâteau, no Loire Atlântico. Os seus pais, embora quisessem que Jacques tomasse conta do negócio da garagem familiar que têm em Nantes, adoravam o mundo do espetáculo, e transmitiram essa paixão ao filho, que aos quatro anos já tinha o seu próprio teatro de marionetas. O maravilhoso e a fantasia a dominar já o imaginário de Jacques Demy.
Aos 14 anos, no final da guerra, Demy já lia revistas de cinema e não tardou em pôr em prática a sua paixão, fazendo pequenos filmes animados e documentários. Seguiram-se estudos de Belas-Artes e de Fotografia, já em Paris, onde no final da década de 1960 faria os seus primeiros filmes em regime profissional. Depois, a sua história conta-se através dos seus filmes, num duplo sentido, já que muitas das obras que realizou têm referências autobiográficas, e foi filmando com frequência nos locais onde passara a sua infância.
Uma Palma de Ouro em Cannes, uma nomeação para os Globos de Ouro, quatro nomeações para os Óscars, para um BAFTA e para dois Césars, atestam bem da riqueza da obra deste homem que foi casado desde 1962 até à sua morte com Agnès Varda, que lhe fez a mais bela das homenagens com “Jacquot de Nantes”, estreado no ano a seguir à sua morte.
A retrospetiva sobre a obra de Jacques Demy teve início hoje, dia 26 de dezembro, em Lisboa (Cinema Nimas) e no Porto (Cinema Trindade), com a exibição de “Lola”. Primeira longa-metragem do realizador, estreada em 1961, apresenta uma esplendorosa Anouk Aimée como uma cantora de cabaré que um antigo apaixonado reencontra, reativando a sua paixão. Demy trabalha desde logo com o compositor Michel Legrand, que lhe oferecera ao longo da carreira algumas das mais belas canções e partituras de cinema. O mundo do espetáculo e do faz-de-conta desde logo na ementa do realizador.
No Cinema Nimas, ainda hoje é projetado “Os Chapéus de Chuva de Cherburgo”, um dos mais belos filmes da história do cinema, com a sua singela história de um casal de namorados que vê o seu futuro quebrado com a convocatória do jovem para a Guerra da Argélia. Demy homenageia o género musical, contando de novo com a música de Legrand e uma jovem e lindíssima Catherine Deneuve na protagonista, ao lado de Nino Castelnuovo.
Ambos os filmes estarão em exibição em Lisboa durante uma semana e terão ainda sessões no Porto. E é ainda com este filme que a retrospetiva abre no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra.
O ano começa bem, com a exibição, a partir do dia 2 de janeiro, em Lisboa e no Porto, de “A Baía dos Anjos” e “As Donzelas de Rochefort”. No primeiro, Jeanne Moreau é uma jogadora inveterada que conhece um homem nos casinos da Côte d’Azur, testando a sua sorte no jogo e no amor. No segundo, Demy retoma o género musical, coloca lado a lado as irmãs Catherine Deneuve e François Dorléac, falecida nesse mesmo ano de 1967 num desastre de automóvel, aos 26 anos, e junta-lhes ainda Gene Kelly e George Chakiris, ainda fresco do sucesso de “West Side Story”. Outro grande marco do cinema.
E a retrospetiva continuará, com a exibição de “O Acontecimento Mais Importante Desde que o Homem Chegou à Lua”, ou seja, Marcello Mastroianni como o primeiro homem grávido do mundo; “O Tocador de Flauta”, numa incursão pelo universo da música e da fantasia; “Um Quarto na Cidade”, onde cruza o musical com a luta de classes, colocando um operário e a filha de uma proprietária em fervoroso romance, no meio de uma situação de greve; “Parking”, uma fantasia musical adaptando Cocteau ao mundo do rock; “A Princesa com Pele de Burro”, deliciosa incursão pelo conto de fadas, com Catherine Deneuve ao lado de Jean Marais.
O Cinema Nimas apresentará ainda me Lisboa, em sessões especiais, “Model Shop” (a 17 de janeiro), coprodução entre so Estados Unidos, sobo fundo da Guerra do Vietname, reencontrando Anouk Aimée, colocada ao laod de Gary Lockwood, um ano após o ator ter sido protagonista de “2001: Odisseia no Espaço”, e o inédito “Trois Places pour le 26”, um tributo à carreira de Yves Montand.
A retrospetiva, que decorrerá também no Teatro Campo Alegre, no Porto, entre 16 e 22 de janeiro, e se desdobrará em várias das suas salas até ao dia 26 de fevereiro, terá ainda uma sessão histórica, no Cinema Nimas, com a exibição de quatro curtas que o realizador assinou, entre 1956 e 1962, “O Tamanqueiro do Vale do Loire”, “O Belo Indiferente”, “Ars” e “A Luxúria”.