Ao fim de 70 anos sobre a morte dos escritores, livros podem ser editados livremente, mas desinteresse editorial atinge muitos dos autores abrangidos.
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O mexicano Mariano Azuela, autor de histórias curtas muito populares sobre a revolução de 1910 no seu país, e a escocesa Josephine Tey, que chegou a ser comparada a Agatha Christie, estão entre as muitas dezenas de escritores que, por terem falecido há 70 anos, podem a partir de agora ser publicados sem contrapartida financeira para os seus herdeiros ou representantes legais.
Mas, apesar de as suas obras terem entrado agora em domínio público, é pouco crível que algum editor nacional pondere sequer avançar para a sua publicação nos próximos tempos.
Só nos anos mais recentes entraram nessa categoria obras de autores como George Bernard Shaw, Sinclair Lewis, Hermann Broch, Klaus Mann, Margaret Mitchell ou Rafael Sabatini, sem que isso se tenha traduzido num súbito acréscimo de interesse.
O mesmo se aplica também a autores portugueses. O exemplo mais recente aconteceu com os livros de Soeiro Pereira Gomes, autor falecido em 1949, que, com exceção de algumas reedições de "Esteiros", continuou ausente das montras e escaparates das livrarias.
A ditadura das novidades
Num mercado editorial cada vez mais vergado ao peso da novidade, nem mesmo a ausência de pagamento de direitos autorais é um aliciante suficiente para arcar com o sempre avultado investimento associado à edição.
Há dois anos, a entrada de George Orwell no lote de autores no domínio público deu origem a um autêntico surto editorial. De "1984" a "O triunfo dos porcos" (ou "Quinta dos animais"), passando por ensaios, diários e até inéditos entre nós, a vaga "orwelliana" foi a exceção ao desinteresse quase generalizado em torno destas efemérides.
No ano passado, ainda que em menor escala, foi em torno de André Gide que se concentrou a maior atenção editorial, com várias edições de "O imoralista" ou "A porta estreita", entre outros.
A partir de janeiro, ficaram livres de direitos as obras de Knut Hamsun, autor norueguês que venceu o Prémio Nobel da Literatura em 1920. "Fome" é, de longe, o título de sua autoria que atrai maior número de leitores. Também a partir deste ano, é possível publicar livremente Paul Éluard, nome proeminente do surrealismo, cujos livros sempre estiveram escassamente traduzidos para português, abrindo-se agora uma possibilidade de (re)descoberta de um dos autores essenciais da poesia francesa do século XX.
Filósofo, poeta e romancista, o espanhol George Santayana é outro dos nomes que poderá entrar na cogitação dos editores nacional, agora que os seus livros entraram na lista do domínio público.
Obras prestes a entrar no domínio público
Dylan Thomas (1914-1953)
Excessivo e desbragado, Dylan Thomas foi um dos poucos poetas a ostentar uma aura de estrela rock.
A geração beat idolatrou-o, esgotando auditórios só para o ouvir ler poemas, e até Bob Dylan lhe prestou tributo, ao adotar o seu apelido no lugar do bisonho nome de batismo (Robert Allen Zimerman).
Pouco interessado na exploração dos temas sociais, ao contrário do que acontecia com T. S. Eliot ou W. H. Auden -, elegia a emotividade e o lirismo como forças motrizes da escrita.
A sua obra - que também integra, além de poemas, vários contos - fica liberta do pagamento de direitos autorais a partir de janeiro do próximo ano.
Eugene O"Neill (1888-1953)
Nem o Prémio Nobel da Literatura que recebeu em 1936 ajudou Eugene O"Neill a amaciar o crónico pessimismo que exala das suas peças, fortemente marcadas por tragédias pessoais e visões sombrias da sociedade. Muito provavelmente o mais premiado dramaturgo norte-americano do século XX, O"Neill, que nunca escondeu o pensamento anarquista, viu os seus textos serem representados em palcos de todo o Mundo. Em Portugal, encontra-se publicado apenas um texto seu, "Desejo sob os ulmeiros". Com a entrada no domínio púbico, em 2024, espera-se que outras peças de Eugene O"Neill possam vir a ser publicadas.
Oswald de Andrade (1890-1954)
O modernismo brasileiro não teria tido a mesma pujança sem o contributo de Oswald de Andrade. Autor de uma prolífica obra que se estendeu pela poesia, ensaio, ficção e teatro, transportou para a literatura o espírito irreverente e combativo que o caracterizava na vida pessoal.
Nas décadas de 1920 e 1930, as suas intervenções públicas inflamadas serviram para ajudar a estabelecer os princípios orientadores do movimento modernista brasileiro, ainda a dar os primeiros passos.
Mal conhecidos em Portugal - para o que contribui a ausência de edições -, os livros do autor entram no domínio público daqui a dois anos.