Dúvidas e certezas de dois génios da representação juntam-se em “De Cor (ações)”
Isabelle Huppert e Fabrice Luchini protagonizam o documentário “De Cor (ações)”, que estreia esta quinta-feira nos cinemas portugueses.
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Isabelle Huppert e Fabrice Luchini. Dois grandes “monstros” da arte de representar, no cinema, de onde melhor os conhecemos, mas também do teatro. Benooit Jacquot. Autor singular do cinema francês, que além de assinar quase sempre grandes filmes, tem o hábito de se rodear de bons atores e atrizes.
O realizador propôs acompanhar Huppert e Luchini ao Festival de Avignon, a grande referência dos festivais de teatro em França, onde ambos iriam apresentar um espetáculo, e filmar a sua preparação, o seu contacto com os textos.
O resultado é um espantoso documento sobre o trabalho de ator, tão magnífico como as luminosas presenças de Huppert e Luchini, na sua modéstia como no seu génio. O filme estreia hoje em Portugal e é imperdível, apesar do título português rebuscado: “De Cor (Ações)”. A bem da verdade, seria difícil transmitir o duplo sentido do original. “Par Coeur” quer dizer “de cor”, o que os atores têm necessariamente de saber fazer, e “de coração”, também indispensável para nos transmitir as emoções do seu trabalho.
Há uma figura portuguesa várias vezes citada no filme, e que só muito fugazmente vislumbramos. No mesmo mês de julho de 2021 em que foi anunciado como o próximo diretor do Festival de Avignon, primeiro estrangeiro a ter essa honra, Tiago Rodrigues dirige Huppert em “O Cerejal”, de Tchekov. Na mesma edição, Fabrice Luchini diz em palco textos de Nietzsche.
Com o mesmo pudor que atravessa a sua obra de cineasta, Benoit Jacquot transpõe a intimidade de Huppert e Luchini. A atriz, que julgamos dominar todos os mecanismos do seu trabalho, confessa-se bloqueada por uma frase que acaba por esquecer em palco, Luchini ensaia as várias formas de dizer o seu texto até obter a que lhe parece mais justa. Negando a psicologia, sob o primado da técnica.
Talvez o realizador português que mais compreende os corpos e os rostos de com quem trabalha, João Canijo dirigira há alguns anos o documentário “Trabalho de Atriz, Trabalho de ator”. Benoit Jacquot junta-se-lhe agora com esta simples mas primorosa observação de como trabalham estes dois nomes maiores da representação.