Encontro de viola d"arco de José Valente com a Orquestra Filarmónica Gafanhense gera novos caminhos expressivos.
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José Valente é um compositor e violetista com raízes no Porto e percurso estética e geograficamente sem fronteiras. Teve formação em jazz e música improvisada nos Estados Unidos e entre múltiplas parcerias internacionais, já tocou com o trompetista americano Dave Douglas e o saxofonista, clarinetista e compositor cubano-americano Paquito D"Rivera. A sua música dança amiúde entre o jazz e a música erudita.
"Trégua" completa uma trilogia iniciada com "Os pássaros estão estragados", em 2015, e prosseguida com "Serpente infinita" (2018). Uma obra feita para orquestra de sopros e viola d"arco, cuja criação e registo resulta de uma residência artística organizada pelo projeto cultural 23 Milhas, do Município de Ílhavo, envolvendo a Orquestra Filarmónica Gafanhense, dirigida por Henrique Portovedo, também ele com experiência miscigenada, do jazz à composição erudita.
Muito terreno é percorrido pelas sete peças, desde a exuberância e exotismo de "A birra do Gaspar" ao recolhimento, ainda assim febril, de "Naquele instante o galo cantou: Introdução", em que a viola d"arco é deixada a sós. Na articulação entre reflexos da música popular portuguesa e os rigores da composição contemporânea, há momentos que trazem Joly Braga Santos e Fernando Lopes-Graça à conversa sonora. Com espaço para o improviso.
"Fuga" tem formas mais incertas, incluindo um diálogo pontual com baixo, bateria e piano que respira rock progressivo. "Trégua: I" é onde a oscilação entre estímulos pouco comuns (os monólogos minuciosos da viola d"arco, as vagas de exultação coletiva da Orquestra) ganha mais definição. Já "Trégua: II" é quase toda celebração, uma união de esforços sob um groove funk latino.
O título do disco chega de "La Tregua" de Primo Levi, em que o escritor relata o regresso a casa, finda experiência do horror em Auschwitz. Uma escolha que espelha, para José Valente, um processo de "transferência de qualquer ser humano de uma fase de dificuldade extrema, de um flagelo, para algo mais otimista e pacífico".
Trégua
JOSÉ VALENTE E ORQUESTRA FILARMÓNICA GAFANHENSE
9 MUSAS