Nuno Cardoso deixou a direção artística do Teatro São João, no Porto, mas regressa esta quinta-feira com “Hamlet”
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Nuno Cardoso, encenador e ex-diretor artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ), regressa à que foi a sua casa durante seis anos – onde foi “imensamente feliz” –, para encenar “Hamlet”. O espetáculo estreia hoje e permanecerá em cena até ao dia 27 de abril.
“Hamlet” é o seu sétimo Shakespeare, uma meta traçada há 12 anos. “Ser ou não ser, eis a questão”: a ligação entre a obra e a realidade política e cultural do TNSJ de hoje existe, mas Nuno Cardoso rejeita leituras imediatistas. “Algo está podre no reino na Dinamarca? [risos] Nunca fiz, não faço, nem nunca farei espetáculos com legendas. Portanto, deixo a interpretação ao último autor de um espetáculo: o público”.
Ainda assim, admite que “qualquer repertório e qualquer peça clássica sobrevive porque encaixa na realidade”. Apesar de muitos verem “Hamlet” como um reflexo do momento político, Cardoso esclarece que a sua programação de 2025 foi pensada com antecedência: “Foi feita antes das eleições do ano passado, que é uma coisa que as pessoas não dão conta. Uma programação é feita com tempo, até para ser medida, pesada, para servir o interesse público”.
UM ELENCO ORGÂNICO
Para a escolha do elenco, a máxima de continuidade e renovação também se aplica: “Há os elementos da companhia residente [com Pedro Frias como protagonista] e tinha visto o Sandro [Feliciano] na “Casa Portuguesa”, ele ainda tinha 16 anos, agora tem 19. Achei que seria uma boa pessoa para convidar, até mesmo para o futuro”, diz. O mesmo aconteceu com [Alberto] Magassela: “Trabalhei com ele na primeira produção que fiz no âmbito de São João, ‘O despertar da primavera’”. O elenco formou-se organicamente, com novidades como João Cravo e outras colaborações que se foram estabelecendo. “Depois a distribuição foi feita durante a dramaturgia com eles”.
HUMOR E DESPERDÍCIO
O humor de “Hamlet” também ocupa um lugar central na sua abordagem. “Acho que uma das coisas que sempre me deu prazer encenar é o humor, nunca fugi dele”. Para Nuno Cardoso, a peça está cheia de ironias e perplexidades, e evitá-las seria um desperdício.
O encenador critica as versões demasiado reverentes da obra: “Vi alguns Hamlet que eram tão respeitosos, mas tão respeitosos, que nos levavam a bocejar – ignoravam o próprio texto ou o formalizavam o texto de tal forma que era insuportável”.
Para o artista, o teatro de Shakespeare não pode ser encarado como um objeto sagrado e distante: “Shakespeare e Molière faziam teatro para o povo. E no século XX, e agora, a burguesia e os ricaços roubaram o teatro ao povo”. Cardoso defende que uma peça “não tem medo de ser baixa e que também não tem medo de ser absolutamente lírica”.
Quanto ao seu futuro pós-direção do TNSJ, e com a sua anterior companhia, Ao Cabo Teatro, em modo “missão enterrada”, Cardoso encara a mudança com naturalidade. “Isto ainda é um bocadinho uma espécie de divórcio em que uma pessoa fica a viver em casa da mulher, não é? Tenho agora o ‘Hamlet’ e ainda vou fazer o ‘Babel’”. Mas garante: “Sempre fui ator e encenador, isso é o que sou”. E o Porto continuará a ser o seu palco principal: “Posso ser achadiço e ser de Canas de Senhorim, que muito me orgulha, mas a minha cidade é o Porto e quem não percebe isso é estúpido ou mal-intencionado”.
Sobre a gestão do TNSJ, que continua sem diretor à vista, mantém postura reservada. “Não tenho nada a dizer. O concurso, toda a situação do São João, é da responsabilidade das pessoas que trabalham no São João”. Sublinhando o seu “dever de lealdade para com o Teatro”, revela que viveu ali “seis anos de absoluta felicidade e de sentido na vida”. Mas diz: “Não preciso destas paredes para ser o que sou”.