Dezenas de pessoas visitaram ontem a casa do escritor em Tormes. Restos mortais estão hoje em câmara-ardente.
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Eça de Queiroz regressa este domingo à casa de Tormes, em Santa Cruz do Douro, para iniciar o processo de despedida do concelho de Baião rumo ao Panteão Nacional, em Lisboa. Os restos mortais do “maior romancista português”, nas palavras do trineto Afonso Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz (FEQ), já retirados do Cemitério de Santa Cruz do Douro, estão hoje em câmara-ardente no átrio principal da Casa de Tormes, onde os visitantes podem prestar a derradeira homenagem. A Confraria Queirosiana faz a guarda de honra. Ontem, dezenas de apreciadores da escrita e da figura de Eça passaram por Tormes em visitas aos seus aposentos.
Nelson Mamede, um brasileiro de férias em Portugal, foi ver com os “próprios olhos” como se vivia na Casa de Tormes, hoje FEQ. É no romance “A cidade e as serras” que Eça faz uma comparação entre a vida civilizada e agitada de Paris e a vida tranquila e pacata na aldeia de Tormes, sobranceira ao rio Douro. Um lugarejo com uma deslumbrante vista sobre o vale do Douro, ladeado, na margem direita do rio, pela linha férrea que transportou de comboio Eça, na pele de Jacinto, até à estação de Tormes e daí até à casa de família.
“Pena não haver aqui gente nova”, lamentava Mónica Correia, uma indefetível da obra queirosiana, residente no Porto, na companhia da filha, Joana Correia, a residir nas Caldas da Rainha. “Sem cá ter vindo antes, já tinha conhecimento de muita coisa sobre a vivência de Eça”, ainda assim, “por mais ridículo que possa parecer”, ressalva Mónica Correia, o que mais a impressionou foi “a lareira na cozinha, igual à do meu avô e ao apreço que D. Carlos tinha sobre a figura de Eça”. Num dos aposentos, há um quadro com uma paisagem alentejana pintada por D. Carlos, que a ofereceu ao romancista.
Dado a superstições
O que a maior parte dos visitantes não sabia era que, devido à superstição, Eça de Queiroz dormia recostado, meio sentado e meio deitado. Mantendo uma crença que vinha já da Idade Média, em que se acreditava que dormir deitado totalmente era o assumir dos mortos quando eles vão a enterrar, as pessoas acreditavam - Eça seria uma delas - que, ao fazê-lo, iriam atrair mais depressa a morte para si. Assim, “usava uns almofadões enormes, atrás das costas, e dormia recostado. Meio sentado, meio deitado”, precisa Anabela Cardoso, diretora-executiva da Fundação. Assim se explica que a cama que trouxe de Paris e que está na FEQ seja minúscula no seu tamanho, atendendo à envergadura do escritor. Se Eça se deitasse normalmente na cama, não caberia. Ficaria com os pés e parte das pernas de fora.
João Lourenço, natural de Famalicão, gostou “muito do arquivo” onde Eça guardava as suas notas que o ajudaram a traçar os retratos sociais da época. Ao lado, a mulher, fã do arquirrival de Eça, Camilo Castelo Branco, admitiu que gostou muito de ler “Os Maias” e a filha, enóloga, com “o seivoso” vinho de Tormes, no regaço que mais tarde iria avaliar, elegia “A relíquia” como a obra favorita do escritor.
A trasladação das ossadas de Eça de Queiroz para o Panteão, agendada para quarta-feira, é vista pelos visitantes como “uma decisão familiar, e que poderá trazer uma maior notoriedade à sua obra. É lá que estão os melhores, logo Eça tem de lá estar”, conclui Joana Correia.
Ministério da Cultura atribui 75 mil euros para apoiar a programação
Após ouvir a ministra da Cultura reafirmar o apoio anual de 75 mil euros destinados à programação cultural da Fundação Eça de Queiroz, o presidente, Afonso Reis Cabral, anunciou a abertura das candidaturas ao Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz que distingue bianualmente uma obra ficcional, romance ou novela. O prémio é de dez mil euros e a obra vencedora será anunciada em setembro. Foram também revelados os nomes dos escritores selecionados para a terceira temporada das Bolsas de Residência Literária.