Nova edição da fotobiografia de Eduardo Lourenço oferece uma panorâmica exemplar sobre a sua vida.
Corpo do artigo
Esgotados os ecos dos pomposos discursos, cortadas todas as fitas de uma qualquer lápide ou busto destinados apenas a acumular pó, o que fica das comemorações alusivas a grandes figuras da nossa cultura (e não só) é, na maioria das vezes, um aflitivo silêncio. A valorização do imediato, em detrimento do que pode permanecer no tempo e contribuir para um maior conhecimento futuro da personalidade que era suposto homenagear, tem reduzido as efemérides a um infindável cortejo de vaidades e egos, cuja frequência só se recomenda aos narcisistas em último grau ou aos leitores de Léopold von Sacher-Masoch.
Embora nem esteja a ser essa aparentemente a linha condutora das comemorações do centenário do nascimento de Eduardo Lourenço, a reedição da fotobiografia vem acrescentar um caráter mais perene ao ambicioso programa festivo. Duas décadas depois, o projeto original de Maria Manuel Baptista e Maria Manuela Cruzeiro (agora enriquecido com a participação de Fernanda de Castro) volta a estar disponível aos leitores, através de uma edição revista e aumentada que em muito valoriza o resultado final.
Quanto mais não seja porque, mesmo na reta final de uma vida longa, Lourenço continuou a sua infindável demanda de conhecimento, escrevendo e intervindo de modo quase febril num mundo que o fascinou até muito perto do fim. Nesse período, como “Tempos de Eduardo Lourenço” documenta, a obra do pensador rompeu em definitivo os círculos universitários, onde muitos gostavam de emprateleirá-la, e chegou a um público não-académico, cativado pelo “tão original e sedutor olhar” do autor de “Heterodoxia”, como escrevem as coordenadoras deste projeto.
“Traçar o perfil do homem, do cidadão, do autor” foi o objetivo central de uma viagem que se inicia em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, e nos transporta por uma existência que, não parecendo fadada para a exceção, atingiu a bitola dos grandes.
A partir do seu promontório de Vence, a pequena cidade nas margens de Nice onde viveu mais de quatro décadas, entregou-se a fundo às palavras dos outros, num estudo laborioso que assentou também na criação, através de “uma escrita que flui em subtil transparência como se fora um sopro do silêncio”, nas palavras de António Ramos Rosa.
"Tempos de Eduardo Lourenço - Fotobiografia"
Maria Manuel Baptista, Maria Manuela Cruzeiro e Fernanda de Castro
Contraponto