Para não cairmos na doce saudade das memórias do já distante estio, nada melhor do que nos deleitarmos com as intermináveis novidades artísticas que por aí assomam. Dos filmes, às canções, peças teatrais ou livros, mais nunca é demais...
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É o primeiro avanço para o próximo disco dos Eels, com saída prevista para 22 de janeiro do próximo ano, e, a avaliar pela audição contínua que suscita, é tão viciante como boa parte da produção anterior de Mark Oliver Everett - ou Mr. E., se preferirmos. Em "Good night on earth", o virtuoso que se esconde por detrás de uma banda da qual é o verdadeiro faz-tudo (vocalista, compositor, guitarrista, baterista...) abre mão das suas obsessões sem fim para nos transmitir, ao som de contagiantes 'riffs' de guitarra, uma despreocupação quase tocante face ao estado do planeta. O degelo avança, a pandemia alastra, a ganância prospera e a humanidade definha? Menos mal, temos sempre as memórias, algum gin e a sombra reconfortante de uma árvore para deixarmos o Mundo lá fora.
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São 357 os anos que nos separam da primeira representação de "Tartufo", um dos cumes criativos de Molière que conhece agora uma nova adaptação (a partir desta quarta-feira, dia 29, e até ao próximo dia 10 de outubro, no Mosteiro de S. Bento da Vitória, no Porto). E, todavia, escutando as palavras certeiras do imortal autor francês acerca das imposturas da sociedade, tão pouco parece ter mudado, afinal:
"Se a humanidade é suja, se precisa de lavar a roupa suja, se cheira mal e ninguém se lava na corte francesa do século XVII, por falta de hábitos de higiene, onde estará a falta de higiene nos dias de hoje?".
Acusem-no de estar gasto criativamente, de já não fazer um filme em condições desde "Match point", ou até mesmo de realizar as mesmas cenas vezes sem conta, mas um novo filme de Woody Allen desperta sempre em quem gosta de cinema uma vontade quase irreprimível de o vermos (nem que seja para confirmar as suspeitas atrás enunciadas....). Na sua nova obra ("Rifkin's Festival"), povoada por menos estrelas de Hollywood do que é hábito devido às insidiosas acusações de que foi alvo, o cineasta nova-iorquino socorre-se das suas inseguranças e traumas para chegar à questão que tanto o sobressalta: qual o sentido disto tudo?
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Remasterizada e pronta a ser consumida sem moderação, a atuação que Lou Reed protagonizou a 27 de janeiro de 1973 no auditório da Alice Tully Hall Orchestra pode ser agora escutada com a atenção que merece, graças à nova edição (disponível nas plataformas digitais e em vinil). Temas ainda hoje urgentes como "I'm waiting for the man", "Sister ray", "Walk and talk it" ou "Sweet Jane", entre tanto outros, adquirem novas identidades com a voz espetral de Reed a pairar, fantasmática, sobre os acordes sinuosos de guitarra e a hipnótica linha de baixo. Imprescindível.
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"Paixão". Assim se intitula o novo livro de poesia de Maria Teresa Horta, que bem poderia ser também o título de uma recolha antológica da sua obra, tão intensa tem sido a sua relação com a palavra poética, desde que se estreou em livro, já lá vão mais de 60 anos.
O amor sobre o qual o livro fala é, contudo, o do companheiro da sua vida, Luís de Barros, recentemente falecido, e que é recordado de forma pungente ao longo do livro, como acontece no poema "Memória":
"Como sossegar um pouco
o coração
com esta faca enterrada
no meu peito?
Adormecer por dentro
da paixão
no avesso da perda
que eu enjeito?
Esquecer para sempre a dor
a alma incerta
onde as lágrimas
são a chuva desamada?
Debruçada devagar
na minha dor
tentando conseguir
não sentir nada?"
("Paixão; Maria Teresa Horta; D. Quixote; 2021)