Rina Sawayama e Slowdive dominaram a tarde do segundo dia do Nos Primavera Sound. À noite chegariam os muito aguardados Pavement e Beck.
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Depois de um primeiro dia dominado por dois grandes espetáculos - o monumento dorido e catártico de Nick Cave e a jornada cósmica e efusiva dos Tame Impala -, não teriam vida fácil aqueles que estreassem o palco principal na segunda tarde no Nos Primavera Sound. A missão de erguer da ressaca os primeiros milhares que afluíram ao recinto coube aos Beach Bunny, banda de Chicago que pratica uma pop robusta e que se celebrizou com o hit "Prom queen",
Semeado pelo relvado, o público do Primavera - que regressou particularmente garrido, sobretudo no cabelo, pintado com as cores mais inacreditáveis - ia maioritariamente cochilando enquanto os americanos desfiavam os temas do seu único álbum, "Honeymoon". O grupo era honesto e voluntarioso, com canções bem urdidas e retocadas, mas em nenhum momento pareceram afirmar um idioma próprio - tudo soava às centenas de bandas de indie pop que já pisaram este Mundo.
O despertador chegaria uma hora depois; anunciada por imagens estilizadas de tecidos humanos e moléculas, Rina Sawayama adejou no palco com estrépito. Disse logo que ia pôr toda a gente a berrar e dançar. E arrancou para uma faixa que poderia ser descrita como "Korn de mini-saia", ou a potência do nu metal em modo sensual. Enquadrada por bailarinas, a cantora nipónica e britânica possui considerável alcance vocal, sobretudo nos agudos, e um fulgor imparável. Cruza sem pudor nem cerimónia géneros aparentemente incompatíveis, enchendo de anabolizantes o r&b ou repescando pop dos anos 1980 para a mergulhar no caldeirão da mais recente eletrónica. E não larga o público: por entre as canções extraídas do álbum de estreia, "Sawayama", e algumas novidades que irão surgir no próximo "Hold the girl", Rina ia lançando mensagens de empoderamento e chegou a dedicar um tema ao público LGBT, que se manifestou em massa com os braços no ar. Foi realmente aqui que se iniciou a segunda jornada do festival.
Logo de seguida, um banho de imersão com os Slowdive, a histórica banda de Reading, no Reino Unido, que a par de My Bloody Valentine e Ride é epítome de shoegaze, esse género de tempestade ao retardador feito por músicos estáticos e cabisbaixos. Entraram pelo crepúsculo com os seus longos e densos túneis, ora sombrios, ora luminosos, e refizeram aleatoriamente o seu percurso desde a estreia, em 1991, com "Just for a day", até ao último registo, "Slowdive", de 2017. Conseguiram uma hipnose quase geral, escapando-lhes talvez o grupo ruidoso que insistia em fotografar-se no cimo da encosta, marimbando-se para a concentração dos restantes - factos da vida num festival.
O atordoamento gerado pelos Slowdive teve ainda a virtude de permitir o aforro de energia para o que aí vinha: os muito aguardados espetáculos de Beck e Pavement e a curiosidade pelo desempenho de 100 gecs ou Jehnny Beth, além do cortejo de DJ que entra ao serviço no Palco Bits a partir das 23 horas.
Apontamentos
Com lotação completa, a primeira noite do festival gerou dados curiosos recolhidos por um estudo do European Business School e pelo Centro de Investigação em Ciências Empresarias e Turismo da Fundação Consuelo Vieira da Costa: o público feminino predominou (53,2%) e os solteiros foram a maioria (76,9%). Estrangeiros representaram 35, 1 % do total do público. A média de idades situou-se nos 30 anos.
Ouviram-se algumas críticas relativamente à dimensão das áreas exclusivas do festival, sobretudo pelo contraste com as intermináveis filas enfrentadas pelo público comum para comprar comida, bebida ou ir ao WC.