"Era um monstro. Mas não é razão para banir a sua música", diz autor de "Leaving Neverland"
Dan Reed, autor de "Leaving Neverland", falou ao JN da ressonância do documentário que expôs o lado feio de Michael Jackson.
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Quatro horas de duração, dois depoentes, uma verdade apavorante: durante décadas, Michael Jackson abusou sexualmente de dezenas de crianças - nunca o admitiu, nunca foi condenado. Quase 30 anos após os factos, duas das vítimas relatam-se em "Leaving Neverland", documentário de Dan Reed que dinamita o imaginário de milhões de fãs do cantor. Em entrevista ao JN, o cineasta ajuda-nos a perceber o impacto que o filme está a ter no Mundo.
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Também está a ser processado em 100 milhões de dólares pela família de Michael Jackson?
Eu não. É só o [produtor e distribuidor] HBO.
Teme algum processo?
Esperávamos uma reação dos gestores do espólio do artista, eles têm imenso dinheiro e um advogado famoso, Howard Weitzman, por isso nunca se sabe... Mas eles não têm fundamentos para um processo, o filme é à prova de bala.
Recebe muito "correio de ódio" dos fãs de Michael Jackson?
Sim [risos], muito. Quando o filme estreou em Sundance recebia centenas de mails por dia, insultos, ameaças. Agora diminuiu, será só uma ameaça por semana [risos]. Mas continua a correr uma campanha de insultos no Twitter.
Responde-lhes?
Não, ignoro-os. Aceito que os fãs tenham uma adoração religiosa pelo artista, mas não conhecem o homem, nunca o conheceram. Mais: os fãs não sabem nada de Wade Robson e James Safechuck, que confessam os seus factos no meu filme. Os fãs filtram o que querem ouvir, escolhem no que querem acreditar. E recitam para si a narrativa que lhes convém. Ora, isso não tem nada a ver com a verdade ou factos irrefutáveis.
Pretende fazer alguma sequela?
Há uma grande história por contar: a do julgamento de 2004/05 que absolveu Michael Jackson. Acredito que o rapaz [Gavin Arvizo] de 13 anos que o acusou de novos abusos disse a verdade, mas os advogados de Jackson intoxicaram o julgamento, atacaram e descredibilizaram a mãe do rapaz e o júri caiu nesse truque e absolveu-o dos crimes. É uma história assombrosa. Se esse rapaz, que terá agora 28 anos, quiser contar o que se passou, sim, faria esse filme.
Ele era um monstro. Mas não é razão para banir a sua música
O documentário é sobre as vítimas, não o artista. Algum dia fará um filme sobre Jackson?
Acho que não. Ele era um artista extraordinário, um entertainer incrível, mas a família dele não quer discutir a verdade, logo seria muito difícil aceder aos arquivos, sobretudo se fosse eu o realizador. Acho que a família Jackson agora não gosta muito de mim...[risos].
Existem, supostamente, gravações caseiras feitas por Jackson das cenas de sexo. Acredita que essas cassetes existem?
Hum, o James [Safechuck] disse-me que Michael Jackson uma vez gravou-os a fazerem sexo, mas nunca vimos essa gravação. Não sei se as famosas cassetes existem ou existiram. Se existem, é um caso para a polícia, mas nunca poderiam ser divulgadas publicamente para proteção das crianças.
O documentário nunca coloca em causa a verdade dos dois depoentes. Nunca duvidou deles?
Não. Acredito que eles, que são espantosos, dizem a verdade. Tenho 30 anos de experiência como documentarista e nunca sacrificaria essa reputação para fazer algo em que não acreditasse. Às vezes entrevistamos pessoas que nos mentem, quando isso sucede ou eliminamo-las do projeto ou revelamos que estão a mentir. A produção do filme durou dois anos e eu e a minha equipa investigamos muito. Nunca vimos nada que contradissesse a verdade de James e Wade.
O seu filme não tem contraditório. Por que não quis falar com a família de Michael Jackson?
Não há acusações à família, por isso por que haveria de falar com eles? Há mais de 20 anos que há alegações de que Michael Jackson abusava de miúdos e a família dele disse sempre que eram pessoas à procura de fama e de dinheiro. Nunca quiseram ouvir a versão das vítimas. Mais: fizeram sempre tudo para desacreditá-las e mesmo humilhá-las em público. Se metesse a família dele no filme sabia que iriam mentir-me. A família sabia que ele levava crianças para o quarto todas as noites. Mas nunca quiseram saber o que se passava de facto atrás da porta do quarto.
Se o mundo acreditar que Michael Jackson era pedófilo, deve banir a música dele?
Não, de todo. O homem era um monstro, mas não é razão para banir do Mundo a sua música. É uma decisão individual, cada um saberá o que sente agora ao ouvir as canções dele. Se houver pais que metem músicas de Michael Jackson nas festas das suas crianças, bom [suspiro], isso é com eles.
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