"Vadio", com Joana Santos e Rúben Simões nos papéis protagonistas, é a primeira longa-metragem de Simão Cayatte. Chega esta quinta-feira às salas.
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O cinema português vive um momento de exceção. Quase todas as semanas chegam filmes novos às salas, os mais importantes festivais internacionais continuam a dar prémios aos realizadores e a selecionar novos filmes. Mas, quando vemos os resultados de bilheteira, perfeitamente calamitosos, percebe-se que há algo que está mal. E é do vosso lado, leitores/espectadores!
Quando um filme português tem as qualidades de "Vadio", que chega esta quinta-feira aos cinemas, não há mais desculpas. Fosse norte-americano, falado em inglês e tivesse passado por Sundance, Cannes ou Berlim, tivesse mais umas estrelitas do que aquelas que alguns jornais "de referência" atribuem ao filme, e já teríamos um pequeno sucesso de bilheteira.
Não é muito arriscado afirmar que com "Vadio", Simão Cayatte assina uma das maiores primeiras obras do cinema português. Faz lembrar a comoção que foi, há mais de 30 anos, a visão do primeiro filme de Pedro Costa, "Sangue". E os dois filmes têm algumas coisas em comum, nomeadamente um olhar desesperado para uma juventude sem horizontes, a ausência de figuras paternais sólidas e um radicalismo formal, que se media em Costa pelo preto e branco, em Cayatte pelo formato da imagem.
O filme passa-se algures entre a margem sul de Lisboa e as primeiras paisagens alentejanas, onde André, um miúdo de 13 anos, ajuda o pai a fazer furos para tentar encontrar água, em vez de ir à escola. Quando o pai desaparece misteriosamente, a vizinha da frente é a única amarra que André tem ao mundo. Mas esta também tem os seus problemas familiares. O plano final, arrasador, terno e comovente, em contraponto com a dureza do relato, dá (dá-nos) ainda assim um sinal de esperança no humano.
Simão Cayatte tem dividido a sua carreira entre ator e realizador. Dirigiu várias curtas a preparar-se para esta obra sublime, tão repleta de emoções, mas sem qualquer concessão à facilidade, e que nos apanha pela empatia com estes seres à deriva que somos ou poderíamos ser nós. E com a cumplicidade e o instinto natural de Rúben Simões, o André/Rosetta que a câmara não larga, como a última esperança que lhe resta.