Público escolar abriu na manhã desta quinta-feira a festa oficial de quatro dias no Teatro Rivoli, no Porto. O primeiro espetáculo "Casio Tone Reprise" estava completamente esgotado.
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A fila de adultos a contar repetidamente cabeças na porta do foyer do Teatro Rivoli não deixava muita margem para dúvidas sobre o tipo de espetáculo que ali se ia ver. Uma pequena, sobranceira, dizia para o seu par de fila : "Só espero que não nos ponham a ver coisas para criancinhas de três e quatro anos". Elas devem ter o dobro, e portanto não convém que sejam confundidas. Mais à frente um colega comentava: "Eu agora que estou mais velho começo a gostar de coisas de velhos, como o Roberto Carlos, o Ronaldinho e o Pelé". A capacidade de mimetização das crianças é um deleite.
Ana Cristina Vicente, da equipa do Teatro alertava os grupos de crianças para o espelho no teto que as deixava fascinadas. E enquanto os mais novos que ali se encontravam faziam o exercício de como é bom serem "velhos", os adultos faziam o inverso.
A primeira vez que “Casio Tone” de Silvia Real e Sérgio Pelaio foi apresentado no Teatro Rivoli, no Porto, o ano era o de 1998 e o convite surgiu pela mão de Isabel Alves Costa. Passaram 27 anos e como num fatídico golpe de estrela do clube dos 27, os seus criadores decidiram que este sábado, às 16 horas, no mesmo teatro será a última vez que a peça sobe à cena.
Mas, não é nenhum instinto mórbido que deve levar o espectador a estar presente neste fim. A obra apresentada no contexto da festa de aniversário da instituição é uma amálgama entre os filmes de Jacques Tati, com momentos mágicos dispensados a conta-gotas e os desenhos animados polacos, exibidos nos parcos canais televisivos portugueses existentes na infância dos criadores. A referência não é explícita para as novas gerações que se interrogam sobre o significado da palavra “Koniec”(fim) no ecrã negro.
Mas, a Senhora Domicília protagonista deste “Casio Tone”, uma pianola encontrada na arrecadação da infância de Silvia Real continua tão atual como sempre, a dar música capaz de levantar plateias e ânimos.
O seu minúsculo apartamento, um dispositivo cénico genial, onde original e réplica se confundem é o espaço ideal para que a sua fisicalidade siga geometricamente afiada e neuroticamente ordenada, ela limpa e limpa e não pára de limpar, há esponjas nos sovacos, escovas nos pés, panos nas paredes.
E de tanto limpar acaba por se limpar a si mesma: do seu reflexo no espelho, dos seus sonhos e pesadelos, dos seus vizinhos enfadados, das férias de sonho, das chamadas telefónicas insistentes, da sua bicicleta em dias de chuva e das encomendas “Made in China”, folhos para atafulhar vazios existenciais.
E nesse avesso do avesso Silvia Real e Sérgio Pelaio demonstram que todos somos a Senhora Domicília e as suas maravilhosas neuroses.
Para as crianças presentes esta manhã, este espetáculo foi "melhor do que uma montanha russa, porque teve tudo". Houve gritos de terror, perante o monstro de olhos verdes, magia na cabeça giratória da bailarina, maravilhamento nas casas que se podem apagar, discoteca alimentada ao som de um Casio Tone e palavras novas escritas noutras línguas. A festa está oficialmente aberta. Até domingo é só desfrutar.