No seu novo livro "Máquinas de ficção", Paulo José Miranda ficciona obras e escritores num volume que é uma verdadeira ode ao poder da literatura.
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Na literatura, como na vida, a verosimilhança é tudo. Ou quase. Nas mãos de um escritor hábil, as mais delirantes fantasias num qualquer universo paralelo podem soar-nos credíveis, porque somos levados a crer que, se tal não aconteceu, podia muito bem ter acontecido.
Ao invés, um relato sobre o quotidiano banal escrito por um autor medíocre parece-nos sempre pífio e até improvável, por muito inspirado que possa ter sido na realidade.
Na sua nova incursão literária, Paulo José Miranda relembra-nos o poder da literatura, capaz de conferir tonalidades vívidas de realidade aos cenários ficcionais mais improváveis.
E se a atualidade noticiosa cada vez mais se nos afigura como um guião de fraca qualidade escrito por um argumentista ébrio, por que razão não podem os livros ser mais reais (ou seja, autênticos) do que a própria suposta realidade?
Publicadas originalmente na imprensa (no jornal "Macau Hoje"), estas histórias remetem- nos para o delicioso "Literatura nazi nas Américas", livro injustamente secundarizado na obra de Roberto Bolaño, no qual o escritor chileno nos confronta com uma enciclopédia imaginária de autores falhados a toda a linha.
Mas se o autor de "Detetives selvagens" optou por deter-se numa faixa geográfica precisa, Miranda aponta em várias direções. Geográficas e não só.
Cada uma das breves histórias incluídas em "Máquinas de ficção" traz-nos uma minibiografia de um autor cuja singularidade nos desperta sempre um sentimento, seja de cumplicidade ou desdém.
No decurso dessa viagem, conhecemos Claudia Schneider, amante de David Bowie e Iggy Pop que expôs num livro "a ferida da identidade humana", com base no convívio que manteve com ambas as estrelas rock, ou Sancho Pessoa, antepassado de Fernando Pessoa que, devido à Inquisição feroz, se converteu ao cristianismo sem deixar de lado as práticas judaicas e as ligações ao seu povo.
Por entre autores saídos da sua imaginação, o vencedor do Prémio Saramago escreve sobre um de carne e osso, o poeta e ensaísta Helder Macedo, embora lhe atribua um romance, "A máquina do romance", que, na realidade, tem reminiscências com um título ("A máquina do mundo") de... Paulo José Miranda.
Jogo de sombras e ilusões, "Máquinas de ficção" é a literatura a abarcar a totalidade do real através do seu olhar.
"Máquinas de ficção"
Paulo José Miranda
Edição: Caminho