João Canijo falou ao JN após a sessão oficial de "Mal Viver" na Berlinale, mostrando-se feliz com o acolhimento do filme.
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Foi na quinta à noite que João Canijo e a sua equipa assistiram à sessão oficial de "Mal Viver" na Berlinale, onde o filme compete na disputa do tão desejado Urso de Ouro. Seguiu-se, na sexta, a sessão de "Viver Mal", a concurso na seção Encounters.
Depois da apresentação, no hotel onde toda a equipa do filme se reunir para celebrar a estreia mundial do filme, João Canijo trocou algumas impressões com o JN. "Senti-me bem, o senhor do festival disse-me que no andar de cima estavam em pé a bater palmas".
O realizador estava acompanhado por algumas das suas atrizes, como é o caso de Rita Blanco, Anabela Moreira, Cleia Almeida ou Leonor Silveira. "São dois filmes e estão cá todas. Estou muito contente, claro. Mesmo a Leonor Silveira, que nunca tinha trabalhado comigo, conheço-a desde os 17 anos. Já estava prometido há muito tempo, mas não tinha havido ocasião", disse-nos Canijo, referindo-se ainda ao método de trabalho que mantém com os atores: "O argumento do filme, o conteúdo, não a forma, é sempre trabalhado com os atores".
Apesar de poder vencer um dos prémios mais importantes do mundo do cinema, João Canijo prefere não pensar muito nessa possibilidade. "Estarem os dois filmes é fantástico e acho que estão no sítio certo, cada um deles. Prefiro não pensar nos prémios. O estar aqui com os dois filmes já é um prémio fantástico", explicando-nos ainda as condições em que os dois filmes foram produzidos: "Foi um trabalho muito intenso, mas muito tranquilo, porque estávamos todos confinados no hotel. E isso ajudou muito, não foi nada deprimente. Não havia nada para fazer a não ser fazer o filme."
Um dos aspetos que mais impressiona no filme é o seu visual, a forma como o realizador filma o espaço e as suas personagens. Um trabalho que se deve à colaboração com a diretora de fotografia, Leonor Teles, com quem Canijo trabalhou pela primeira vez. "Estava na altura de arranjar outro diretor de fotografia", admite. "E a certa altura percebi que ela estava tão interessada em ser diretora de fotografia como ser realizadora. A partir daí foi evidente, telefonei-lhe e combinámos. E deu certo".
Leonor Teles confirma a abordagem: "Quando o Canijo me convidou para integrar este projeto, ele próprio já estava à procura de uma coisa diferente, ou de acrescentar algo mais aquilo que já tinha feito. Queria dar uma nova roupagem aos filmes dele", diz-nos. "A partir do momento em que começámos a falar e que percebemos que isto ia para a frente, houve um entendimento fácil, até se calhar mais fácil do que eu estava à espera. Percebemos rapidamente que tínhamos muitas coisas em comum, muitos gostos em comum, que pensávamos uma mesma linguagem de cinema e que para este filme estávamos alinhados e sabíamos o que queríamos."
A jovem realizadora e diretora de fotografia tem uma obra própria, um enorme talento e uma personalidade forte. Mas a relação de trabalho com João Canijo não foi difícil. "Disse-lhe logo que se ele me estava a chamar era para ouvir o que eu tinha para dizer e que se eu discordasse dele lhe ia dizer e esperava que ele me ouvisse. E de facto foi mesmo um trabalho colaborativo, artisticamente". Para Leonor Teles, estar em Berlim é o regresso a um festival que já lhe garantiu um Urso de Ouro para melhor curta-metragem, com "A Balada de um Batráquio", em 2016. "É incrível estar aqui de novo. Para mim é especialmente bom, porque fotografia é o que eu mais gosto de fazer. E este é também o reconhecimento do meu trabalho enquanto diretor de fotografia."
Rita Blanco: "Trabalho com o Canijo desde os 18 anos"
Cineasta da Mulher, João Canijo criou há alguns anos e alguns filmes atrás uma espécie de trupe cúmplice com quem vai desenvolvendo os seus projetos. Veterana desse percurso é Rita Blanco, com quem conversámos também após o final da projeção. "Trabalho com o Canijo desde os 18 anos. E tenho 60", recorda. "Trabalhar com o Canijo tem sido uma evolução. É um realizador com quem posso sempre aprofundar uma série de coisas, inclusive trabalhar no guião. Isso é bom para quem gosta de aprofundar as personagens. É uma oportunidade que tenho com o João e que fez a atriz que eu sou, para o bem e para o mal."
A personagem de "Mal Viver", a matriarca da família proprietária do hotel onde toda a ação se desenrola, não é propriamente amigável. "Esta personagem é minha", reforça Rita Blanco. "Toda a gente diz que esta mãe é tão má. Mas esta mãe deve ter tido ela própria uma mãe complicada, uma vida complicada. Deu-me prazer mas ao mesmo tempo foi duro. Ainda por cima foi na pandemia. Ficámos ali todos fechados, confinados. Aquilo tornou-se tudo muito obsessivo, foi um bocadinho violento."
A atriz desenvolve a sua visão sobre a personagem. "É uma mãe horrível. Uma mãe incapaz de ser mãe. E é ela que faz daquelas mulheres todas umas incapazes e que as domina. É uma manipuladora. Mas hã muitas mães que têm uma grande dificuldade em serem mães", diz-nos "As famílias são uma construção que nós fizemos e é nas famílias que ocorrem os maiores crimes. A família não é um sítio seguro".
Neste mundo de mulheres entra Nuno Lopes, cuja personagem é mais visível no segundo filme, "Viver Mal", onde protagoniza uma das três histórias de clientes, baseadas em peças de Strindberg. "Já tinha feito o "Sangue do Meu Sangue" e trabalhei outras vezes com ele", recorda o ator. "Sei sempre que o ponto de vista do João é o olhar da Mulher. No final os homens existem para provocarem reações nas mulheres. São essas reações que interessam ao João."
Quando Nuno Lopes chegou à rodagem, já tinham começado o primeiro filme, como nos confessa. "Normalmente quero saber tudo mas neste caso optei por não querer saber nada sobre o outro filme. Acabei agora de o descobrir, gostei muito. E acho que os dois filmes são muito diferentes. Apesar dos dois falarem de mães e da influência das mães nos filhos."