Chile e Portugal encontram-se para um ajuste de contas histórico no palco do Teatro Campo Alegre.
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O TEP - Teatro Experimental do Porto (Portugal) e o Teatro La María (Chile) uniram-se para refletir sobre a figura de Fernão de Magalhães e o resultado está em cena no Teatro Campo Alegre, no Porto. Graças à pandemia, as considerações duraram um pouco mais do que fora imaginado. Houve tempo para maturar o trabalho, o que é uma vantagem numa época em que as produções teatrais estreiam inacabadas.
O gosto pelo documental levou a que vários países - e, a reboque, estruturas artísticas -, quisessem celebrar a efeméride dos 500 anos da circum-navegação. Mas até que ponto é que o sabido é realmente o vivido? Com as devidas ressalvas, as duas companhias decidiram questionar o conhecimento que temos sobre este personagem e as suas façanhas, criando alguns episódios "baseados em factos reais", onde figuras secundárias têm a oportunidade de contar os feitos a partir da sua perspetiva.
Num outro plano, a dramaturgia de Alexis Moreno explora a herança deixada por Fernão de Magalhães e joga de forma hilariante com todas as construções imaginárias e todos os preconceitos que existem entre os portugueses e os chilenos, numa estrada de dois sentidos.
A ironia fina é um jogo delicado. Na cimeira surrealista que surge montada é facilmente entendível que o politicamente correto pode também ser a receita para que tudo permaneça igual. Nem sempre as correções históricas, mesmo as que partem dos alegadamente culpados, servem as soluções diplomáticas esperadas.
A direção de atores está muito bem conseguida. Se as interpretações portuguesas são polidas, corretas, palavrosas, as chilenas são enérgicas, histéricas e ultrapassam o limite do verosímil. Esse contraste não deixa de ser uma forma muito inteligente de "catalogar" os alunos europeus e os latino-americanos num jogo de geopolítica. O recurso ao vídeo, num plano supostamente real, apresentado de forma crua, como se não tivesse cortes, é o espelho de uma sociedade xenófoba mascarada de tolerante. Um vídeo feito em casa, repleto de um sarcasmo niilista.
Estreito/Estrecho
Teatro Campo Alegre, Porto
Até 20 de novembro