“As muitas mortes de Laila Starr” é um álbum avassalador do indiano Ram V e do português Filipe Andrade. Chegou esta semana às livrarias nacionais.
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Nomeado para alguns dos mais relevantes prémios norte-americanos e francófonos, “As muitas mortes de Laila Starr” chegou esta semana às livrarias nacionais numa edição da G. Floy.
Na sua origem está uma premissa erroneamente divertida, muito desafiadora: o nascimento de um bebé que irá descobrir a imortalidade provoca o despedimento da Morte. Sem a sua tarefa milenar, é enviada para a Terra, para assumir uma vida mortal, em Bombaim, na Índia, onde também está o futuro inventor da imortalidade.
O seu primeiro impulso, naturalmente, é tirar a vida àquele bebé, para garantir o seu posto de trabalho. No entanto, na vida como na morte, os planos que fazemos nem sempre se podem concretizar.
O relato aborda de forma muito assertiva o conceito de morte, muito do que ela envolve e rituais e hábitos que ao longo de gerações foram inscritos no mais íntimos dos nossos seres de acordo com a nossa origem cultural e geográfica. Essa abordagem é feita de uma forma tão envolvente quanto natural, mas ao mesmo tempo incómoda – porque faz sobressair as nossas limitações enquanto seres humanos. Por isso, se o tempo que temos para viver está contado, o que fazemos com cada pedacinho dessa curta eternidade é da nossa responsabilidade e “...a única coisa que marca uma vida é as memórias deixadas para trás por esta”.
Um outro aspeto que tornava relevante esta edição portuguesa é o facto do texto incisivo, profundo e muito bem escrito, do indiano Ram V, ter sido ilustrado pelo português Filipe Andrade.
Desenhador com carreira feita principalmente nos Estados Unidos, na Marvel e fora dela, Andrade utiliza o seu traço personalizado, de formas assumidamente deformadas e muito fluído, para nos conduzir de forma irresistível por uma narrativa que evoca a morte para celebrar a vida.
Em parceria com a também portuguesa Inês Amaro, Filipe Andrade aplica ao seu desenho tons suaves a pastel que, nas suas palavras nas páginas finais, em que ele, Ram V e o legendador falam sobre a forma como trabalharam nesta obra, refletem “a paleta de cores dessa região do nosso planeta [a Índia], incrível e tão intensa, ao ponto de ser avassaladora”, como avassaladora é a experiência de leitura de “As muitas mortes de Laila Starr”.