A 45.ª edição do festival de cinema fantástico é de 28 de fevereiro a 9 de março, no Batalha Centro de Cinema. Filme português inaugura o certame.
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Com início a 28 de fevereiro - e com um filme português, “Criadores de ídolos”, de Luís Diogo, que examina e exprobra o culto oco das celebridades - e fecho no dia 9 de março - “Stealing pulp fiction”, comédia exuberante, com Jason Alexander, onde um estabanado grupo de cinéfilos quer roubar a última cópia em 35mm do magnum opus de Quentin Tarantino -, o 45.º Fantasporto enfrenta agora o mais temível dos vilões: a sua sombra exata.
Assombrado pela ideia de de que o seu futuro é só o seu glorioso passado, o festival inaugurado em 1981, e que até à primeira década dos anos 2000 era um colosso de cinefilia e relevância artística, luta agora pela própria pertinência. Há duas razões medulares - talvez três - para isso.
“O orçamento de 2025 é 20% do que tivemos em 2000, quando era superior a um milhão de euros”, revela o diretor Mário Dorminsky. E aponta a segunda razão: o nosso comportamento de espectadores. “Dantes não havia tanto cinema na TV, não havia cabo, não havia este oceano de streaming e as pessoas iam aos cinemas para ver cinema. Hoje, como sabemos, não é assim. Até consomem mais filmes, mas a maioria vê-os em casa”, diz Dorminsky.
A terceira razão é irónica e cáustica: o Fantas detém o recorde da direção mais antiga do mundo num festival de cinema (ler ao lado), mas o seu reverso é uma obstrução arterial: o défice de sangue novo.
Assim, Dorminsky, que esta quinta-feira lançou o programa final do 45.º Fantasporto, que vai decorrer nas duas salas do Batalha Centro de Cinema, faz um apelo social: “Pedimos aos pais, ao público que nós criamos e formamos em tantos anos, que chateiem os filhos, que não sabem o que isto é, para virem ao Fantas”.
Bullying, propaganda, I. A., mulheres...
Com a Câmara do Porto de Rui Moreira como maior apoiante (40 mil euros, mais a cedência do Batalha por dez dias) e o Instituto do Cinema e Audiovisual a suportar 35 mil euros, o 45.º Fantasporto assenta num trapézio: Cinema Fantástico (terror e adjacentes), Semana dos Realizadores (cinema de autor, instigações artísticas) e Orient Express (cinematografias asiáticas; “é do Japão, Coreia, Hong Kong, Filipinas que emergem as obras mais criativas da atualidade”, diz a codiretora Beatriz Pacheco Pereira).
Para lá desses eixos, mas também dentro deles, e com 150 convidados estrangeiros confirmados - “50% vêm da Ásia” -, os temas centrais deste Fantas são o âmago negro do mundo contemporâneo: “As questões da mulher, os desafios e perigos da inteligência artificial, o bullying, a propaganda politica e as alterações climáticas”, revela Beatriz Pacheco Pereira. E destaca a retrospetiva de cinco filmes de Taiwan sobre a emancipação da mulher; a violência escolar espelhada em “Sana, let me hear”, do duas vezes vencedor do Fantas Takashi Shimizu; a revolução digital (“Cold wallet”, produzido por Steven Soderberg, e ainda “Sucubus”, “There’s an app for that” e “Crazy lotus”); ou “Zinema”, documentário do ucraniano Kornii Hrytsiuk que expõe a contrafação da Rússia no controlo da mensagem na guerra à Ucrânia.
Noruega explica 25 de Abril
Com uma exaltação especial para “The carnation revolution”, filme norueguês que aporta um olhar extrerior à Revolução do 25 de Abril, e para “A caixa”, primeira ficção angolana de sempre a entrar no programa do Fantas, o festival, promete Dorminsky, tem “filmes desafiadores e originais" como "Indera", do multipremiado cineasta malaio Woo Ming Jin, "Cielo”, de Alberto Sciamma, "Mister K", uma investigação de Tallulah Schwab sobre Kafka, o thriller “Peter five eight”, com Kevin Spacey no papel de um sombrio assassino, ou "Prédio vazio", de Rodrigo Agarão, um exemplo de renovação do terror na indústria brasileira.
Direção do Fantas é a mais antiga do mundo
Mário Dorminsky tinha 25 anos quando inaugurou em 1981 o 1.º Fantasporto, então designado Mostra Internacional de Cinema Fantástico. O diretor, agora com 69 anos, mantém-se em funções, assim como a sua mulher e codiretora, Beatriz Pacheco Pereira, somando agora 45 anos na direção do festival de cinema mais antigo do país. O recorde diretivo é mundial.
“Somos os diretores mais antigos do mundo em exercício contínuo num festival de cinema”, confirmou Dorminsky ao JN, revelando que “o objetivo é os 50 anos seguidos”, até 2030. Surpresa? “O Fantas ainda nos dá muito gozo, é um prazer”, disse.