"Paisagem efémera - Industrial e urbana" é uma viagem ao fim da indústria têxtil no Minho. Espetáculo tem esta sexta-feira a sua última récita.
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Ainda que preenchida por objetos que continuam a contar histórias, a fábrica está vazia de gente e de trabalho. Apesar disso, o operário continua a cuidar dela. "A fábrica é de todos. É de todos mas não é bem de todos. Vocês percebem!", diz o trabalhador fitando o público. E segue com a sua vida.
A vida deste trabalhador têxtil, que pode representar milhares de vidas de operários, está retratada na mais recente criação do Teatro da Didascália, "Paisagem efémera - Industrial e urbana", uma peça que nasceu do marco mais forte da região do Vale do Ave: a indústria têxtil. O espetáculo tem amanhã, às 11 horas, a última récita.
O ponto de partida para este trabalho é também o palco da criação: a "Sampaio, Ferreira", primeira empresa têxtil moderna fundada em 1896 por Narciso Ferreira, nas margens do rio Ave. Vazia de gente e de função desde o verão de 2005, altura em que declarou falência, a fábrica desarrumada representa uma história de ascensão e queda com mais de 100 anos. A fábrica que chegou a empregar mais de dois mil funcionários, acabou com 200 trabalhadores e mais de cinco milhões de euros de dívidas.
"Achamos que a dramaturgia podia ser trabalhada a partir deste espaço e daquilo que era sugerido através dessa grande bagunça que é uma fábrica abandonada há muitos anos, com muito lodo, um espaço a ser tomado de assalto pelas plantas e pelos objetos que contam algumas histórias, como a da própria degradação da indústria têxtil em Riba de Ave", explicou Bruno Martins, diretor artístico do Teatro da Didascália.
E depois do fim?
Foi a partir desta base que surgiram personagens como o operário ou como a mulher trabalhadora da fábrica, que sobe e desce escadas incessantemente, numa alusão a um trabalho que não termina quando toca a campainha de saída do emprego, mas que tem continuidade na lida da casa e do cuidar dos filhos. Um papel interpretado por Margarida Gonçalves, que quis dar destaque à figura feminina, "que teve grande importância na indústria têxtil". "Peguei nesse trabalho diário da mulher, na rotina, nesse trabalhar de sol a sol. E pensei que estas escadas podiam dar uma imagem desse esforço real", diz.
Uma rotina que cumpre quase como se de uma máquina se tratasse. Um trabalho, um esforço, uma vida de dezenas de anos com sons e histórias que pode ficar vazia de sentido quando as máquinas se desligam para sempre.
E depois? A criação tenta dar a resposta, representando as sequelas psicológicas do fecho das fábricas e, em concreto, da "Sampaio, Ferreira". As feridas são expostas no espetáculo sempre acompanhado por "músicas de trabalho".
O primeiro ato da "Paisagem efémera - Industrial e urbana" resulta da investigação de Bruno Martins, António Júlio, Margarida Gonçalves, que encarnam os personagens, e de Rui Sousa, responsável pela música.
Teatro
História do Vale do Ave vai ter mais dois atos
A peça "Paisagem efémera - Industrial e urbana" vai contar com mais dois atos, que serão apresentados nos próximos meses, e que terão como foco o território da vila de Riba de Ave, no Norte de Portugal.
No ano passado, o Teatro da Didascália deu a conhecer a vila de Joane, apelando a uma reflexão sobre os efeitos sociais e ambientais da mudança daquele território. Este ano adotou Riba de Ave. "O grande apogeu do têxtil foi em Riba de Ave. É um território próximo na zona onde nos posicionamos. Pensámos que seria óbvio trabalhar ideia de paisagem industrial", explicou Bruno Martins.