Entre serras, rios subterrâneos e praças que guardam histórias, nasce a 13.ª edição do Festival Materiais Diversos (fmd). De 3 a 12 de outubro, Alcanena e Minde transformam-se num palco vivo de encontros inesperados, onde a dança, a performance, a música e a palavra se cruzam com o território e com as pessoas que o habitam.
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Durante dez dias, o festival assume-se como organismo vivo: conector de tempos e corpos, espaço de resistência e imaginação, laboratório de afetos e futuro. São trinta propostas - duas estreias absolutas e seis nacionais - que nos convocam para pensar o que queremos para os próximos cinquenta anos de democracia, abrindo "constelações de práticas e vozes diversas", como explica ao JN, Cristina Planas Leitão.
Este ano, o festival vive uma transição. Pensado por Elisabete Paiva e finalizado sob a direção de Cristina Planas Leitão, parte da pergunta:" o que queremos perspetivar para os próximos 50 anos de democracia?" A resposta é plural: preservar proximidade e afeto, fortalecer resistências, transformar o corpo em território político e coletivo.
Com artistas de nove nacionalidades - Portugal, Brasil, Irão, Chile, Grécia, Bélgica, França, Espanha e Itália - o festival ocupa o Cine-Teatro São Pedro, o Mercado Municipal, o Centro Ciência Viva do Alviela, o Museu Municipal e o Jardim da República, em Alcanena, e o Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro, o Museu da Aguarela, a antiga Escola Básica 1, o Polje de Mira-Minde e a Praça 14 de Agosto, em Minde. Lugares quotidianos transformam-se em espaços de convivência, reflexão e reinvenção.
Cardápio de nove países
O fmd inaugura-se com a estreia de "Sofreh-e del - Spread of the Heart" (A Mesa do Coração), de Rebecca Moradalizadeh, projeto enraizado no trabalho com a comunidade local. Também em estreia absoluta, "Bombazine em Agosto", de Francisca Poças, surge do apoio à criação regional Fios do Meio, que liga artistas dos distritos de Santarém e Leiria.
Entre as estreias nacionais, encontramos peças de criadores vindos do Chile, Grécia, Bélgica, Espanha e França - "Conversaciones con lo invisible" (Carolina Cifras), "to be possessed" (Chara Kotsali), "To be schieve or a romantic attempt" (Fanny Brouyaux), "Comidas Crioulas" (nyamnyam) e "Spine of Desire: Wounds Without Tears, Out of One Skin in Diamonds and Shit" (Stanley Ollivier), integrada na rede europeia Be My Guest. "Alcanena e Minde são dois sítios super associativistas, onde as pessoas estão super despertas para as artes. Mas é preciso continuar a apresentar programação internacional, mostrar outras questões e outras formas de fazer", sustenta a nova diretora.
A programação estende-se a criadores já próximos da Materiais Diversos: Gaya de Medeiros com "Pai para Jantar", La Chachi com "Taranto Aleatório", Sara Anjo com "Andar para trás", Sofia Dias & Vítor Roriz com "Uma Conspiração Animista", e Vânia Rovisco com "No Corpo: Assim se conhece o mundo". "Uma forma de encontrar uma constelação, onde nada fica isolado, aproveitar e crescer para o futuro, borrar divisórias", conta Planas Leitão.
Da cumplicidade com o Festival Bons Sons chegam os concertos de A SUL e Líquen, prolongando o diálogo entre música e território.
Mas o festival não vive só de espetáculos: vive de conversas, caminhadas, celebrações e partilhas. O ciclo "Matérias do Agora", co-curado com jovens de Alcanena e Minde, propõe diálogos sobre sustentabilidade, identidade, inclusão, tradição e jornalismo em tempos de discursos de ódio. "Temas como o jornalismo e as fake news ou a identidade de género são algumas das que eles queriam falar", detalha Planas Leitão.
Haverá ainda uma reflexão sobre os 110 anos da Sociedade Musical Mindense. Maria João e Olímpio Martins guiam-nos pela Lapa da Cerejeira; Daniel Tércio apresenta Linhas de Tensão. Arte, Dança e Ecologia, moderado por Liliana Coutinho; e o projeto "Traquinar" convoca famílias para descobrir o festival em jogo e brincadeira.
Quando a noite cair, os corpos entregam-se à festa: DJ sets de KING KAMI, Casal Maravilha (Tita Maravilha & Bertrandious) e STANLEY (Stanley Ollivier) transformam praças em celebrações coletivas.
E, no seminário FUTURA - Práticas Curatoriais para a Transformação, pensadores e artistas como Alessandra Mattana, Gaya de Medeiros, Piny e Silvia Bottiroli abrem horizontes sobre o papel da curadoria como força de mudança. "Uma forma de radicalizar as artes performativas" detalha.
A cada passo, o fmd reafirma a sua missão: descentralizar o acesso às artes performativas, aproximar artistas e públicos, criar comunidades temporárias onde se experimenta viver de outra maneira. Porque a democracia também se dança, também se conversa, também se imagina em coletivo.