Última noite em Sines testemunhou um terramoto mexicano: Son Rompe Pera. O resto foi luxo: Eliades Ochoa, Mayra Andrade ou Adédèji
Corpo do artigo
Graça, requinte, vibração e apoteose. Foi esta a progressão de uma noite perfeita, a última de 2024 do Festival Músicas do Mundo (FMM), que volta a realizar-se no próximo ano em Sines e Porto Covo entre os dias 18 e 26 de julho. Responsáveis pelo triunfo? Todos os que atuaram anteontem, mas, sobretudo, aqueles que participaram na sequência mítica, à noite, no Castelo: Mayra Andrade, Eliades Ochoa, Adédèji e Son Rompe Pera.
Graça. Atuara em Sines no início da carreira, em 2006, enquanto promissora artista de Cabo Verde. Entretanto, deu a volta ao Mundo e conquistou-o. Mayra Andrade é hoje uma consagrada, a sua pop de tonalidades africanas seduz plateias internacionais, a sua voz atingiu o ápice na extensão e na doçura. Apresentou-se diante de um Castelo lotado em formato de câmara, acompanhada apenas pela viola de Djodje Almeida, para apresentar releituras cálidas do seu repertório, tudo inscrito no projeto “reEncanto”. Foi leve, sensual, comovente.
Requinte. A pinta destes senhores. Eliades Ochoa, 78 anos, membro do lendário Buena Vista Social Club, em Cuba, envergava chapéu e roupa preta, empunhava viola, que dedilhou magistralmente, e garantia estar disposto a atuar até amanhecer. Os seus cinco músicos usavam chapéus e fatos brancos, distribuíam-se por piano, metais e percussão. E que pinta a música deles. Tudo delicadíssimo, burilado, encantador. “Chan chan” pôs o público a cantar em uníssono. “Ando buscando una novia” calou fundo nos solteiros. O cruzamento de estilos - son, bolero ou guaracha - colocou o cidadão mais perro a menear.
Vibração. Mais um herdeiro de Fela Kuti, esse totem nigeriano que inventou o afrobeat cruzando poções de funk e ritmos africanos. Adédèji e o seu ensemble produzem groove inflamável, que toca os corpos e os galvaniza, a sua guitarra é possante e virtuosa, há cataratas de soul nas cantoras, a voz do nigeriano borbulha, o ambiente cresce no Castelo, há disponibilidade para tudo, é a última noite, o fogo de artifício está prestes a ser lançado.
Apoteose. Houve mesmo a habitual pirotecnia que assinala o fim do FMM, mas o verdadeiro foguetório veio do México. E vai já daqui o apelo, ou a preciosa dica, para os festivais e salas de concerto portugueses: tragam os Son Rompe Pera se querem ter um público feliz. Este quinteto de Naucalpan, periferia da Cidade do México, tem o seguinte lema: “A cumbia é o novo punk”. Acrescentaríamos ‘psycho” à taxonomia - “psycho-cumbia-punk” -, porque há esse lado histriónico e disruptor do rock e um dos músicos revelava a influência na t-shirt - The Meteors, precursores do psychobilly.
Mas o truque aqui está na marimba, esse instrumento de toque aparentado ao xilofone que é usado em modo hardcore pelos mexicanos. Imaginem Deep Purple com marimba, ou The Cramps, ou The Clash. Vão a esse espectro musculado, do hard rock ao punk dos anos 1970, e inserem-lhe a marimba. E aquilo resulta numa sabotagem e num renascimento. E no fim lançam um refrão que será repetido noite fora, já muito depois do concerto: “Nunca pero nunca me abandones, cariñito.”