Nova produção nacional da RTP conta as histórias de filhos nascidos nas antigas colónias, num exercício de reparação histórica que convida à memória coletiva.
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Há histórias que não se apagam com o tempo — adormecem à espera de quem as ouça. A série documental “Filhos de Tuga”, que estreou este mês na RTP e RTP Play, mergulha nessas memórias esquecidas, enterradas entre continentes e submersas no oceano que os banha. Lançando luz sobre um capítulo pouco folheado da história portuguesa, a série conta as histórias dos filhos de militares portugueses e mulheres africanas nas três antigas frentes de combate da Guerra Colonial portuguesa. Entre Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, estima-se que milhares de crianças tenham crescido sem o reconhecimento dos seus pais ou do Estado português.
Com a autoria de Catarina Gomes e realização conjunta com João Gomes, a série de três episódios resgata vidas marcantes de perda, busca, identidade e reconciliação com o passado. Em “Ao Pai Desconhecido”, seguimos Fernando Hedgar da Silva, guineense, que só em adulto descobriu que “Furriel” era afinal uma patente militar e não o nome do pai, como julgava até então. “A Procura” acompanha a moçambicana Rosa Monteiro, que reuniu pistas a vida toda, como quem cose a própria história, para saber do homem que a gerou, um marinheiro que integrava a força que operava no Lago Niassa, no norte do país. E “A Viagem” leva-nos ao encontro emocional e íntimo de Carlos Avelino com o pai, de quem há muito desistira.
Mais do que uma série documental, “Filhos de Tuga” é um exercício de escuta, urgente e profundamente humano, que ouve a voz de quem durante décadas viveu à margem da narrativa oficial, destapando as feridas que o Estado português nunca sarou. No ano em que se assinalam 50 anos das independências africanas, esta produção convida à reflexão sobre as heranças coloniais, memória coletiva e responsabilidade histórica.