"Os Fabelmans", que se estreia esta quinta-feira nos cinemas, é uma obra comovente, espetacular e pertinente para ver no Natal.
Corpo do artigo
Parabéns, senhor Spielberg. Na semana do 76.o aniversário (foi domingo) daquele que é o realizador e produtor de cinema mais influente do último meio século, chega às salas uma das grandes estreias do ano: "Os Fabelmans", o seu filme autobiográfico - e esperámos 45 anos por ele. Na realidade, há muito que Spielberg falava no desejo e hipótese de dirigir um filme que abordasse o seu percurso de vida, mesmo que o tenha feito através de interposta família, os Fabelmans.
No entanto, para se conceber um relato autobiográfico é preciso viver. Há 45 anos, Steven Spielberg era ainda um jovem, apesar de, aos 29 anos, ter já batido o recorde de "Música no coração" como o filme mais rentável de todos os tempos ("Tubarão"). O que esta geração de Spielberg e do seu amigo George "Star Wars" Lucas fizeram depois ao cinema, com a invenção do conceito "blockbuster", isso é outra história.
Naturalmente, "Os Fabelmans" foi escrito por Steven Spielberg, tendo como aliado o argumentista Tony Kushner, vencedor do Pulitzer pela sua peça "Angels in America: A gay fantasia on national themes" e com quem tem colaborado noutros projetos ("Lincoln", "Munique", "West side story").
Fascínio: ver um acidente
A personagem central de "Os Fabelmans" é Sammy e seguimos com ele na sua primeira ida ao cinema com os pais. Veem "O maior espetáculo do Mundo", de Cecil B. DeMille - evidente influenciador de Spielberg. O filme é sobre circo, mas o que maravilha o jovem espectador é um acidente ferroviário que povoará os seus pesadelos, transformados depois no sonho de o reproduzir em casa com um comboio elétrico.
Passamos depois para o bloco principal: Sammy é adolescente e dá vida ao sonho de fazer cinema -tem uma câmara amadora e a ajuda das irmãs e amigos.
Spielberg começou mesmo a fazer estes filmes aos 13 anos, eram westerns e filmes de guerra, "The last gun", "Escape to nowhere", a cuja fabricação assistimos em "Os Fabelmans".
O problema do jovem Sammy é que, ao contrário da mãe, que sempre o encorajou, para o pai o cinema devia ser só um hobby juvenil, esperando para o filho uma carreira universitária "séria" e condigna.
Sammy/Steven acabou mesmo por abandonar momentaneamente o sonho, mas um episódio capital vai fazer com que, ao mesmo tempo que descobre as primeiras desilusões amorosas, possa finalmente revivê-lo. Como se sabe hoje, esperava-o uma carreira de enorme sucesso, e o filme termina quando já sabemos como tudo vai continuar...
Mas "Os Fabelmans" é muito mais do que um revisitar do percurso do jovem Spielberg enquanto aspirante a cineasta. Acima de tudo, é um ajuste de contas, pacífico, tranquilo e apaziguador, com a sua família, nomeadamente com a mãe, que adorava. É que, numa das soluções mais dramaticamente inteligentes do filme, é precisamente ao "revelar" um dos seus pequenos filmes amadores que Sammy/Steven vai descobrir que a mãe mantinha uma relação amorosa com o melhor amigo da família.
Lynch faz de John Ford
Se há aqui um lado "Blow-up", a obra-prima de Antonioni, com a descoberta de um evento através da película revelada, uma das grandes influências do filme, e de Spielberg, é manifestamente John Ford. Como o delicioso episódio com Judd Hirsch, o tio Boris que nos recorda a origem judaica de Sammy/Steven - e um dos melhores momentos do filme é, já perto do fim, David Lynch a fazer de John Ford.
Se o episódio com a mãe - Michelle Williams, espantosa - foi assim que se passou ou não, aplica-se a fórmula fordiana: "Se a lenda é mais forte do que a realidade, imprima-se a lenda". E o que Spielberg imprime com "Os Fabelmans", verdade ou ficção, é um dos filmes mais comoventes, criativos e espetaculares que pode ver na quadra natalícia.