
Os Tubarões
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Última noite do FMM Sines dominada por clássicos de Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Edição 23 do festival bateu recordes de público
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Foi uma bonita sensação de “harmonia” e “alegria”, para citar Roberto Chitsonzo, vocalista dos moçambicanos Ghorwane, a que se viveu anteontem na última noite do FMM - Sines, que atingiu números recorde de público entre quarta e sexta-feira e esgotou o Castelo no sábado.Uma sensação de comunidade entre países irmãos, que partilham uma língua e uma história. Guineenses, caboverdianos e moçambicanos acorreram em massa para celebrar nomes históricos dos seus países - Super Mama Djombo, Os Tubarões e Ghorwane. Celebrou-se uma civilização e a sua diversidade - e até Macau foi incluído na festa. Noite marcada ainda por Nneka, uma ave tropical que seduziu Sines com o seu cântico.
A nigeriana, estrela fulgurante da world music que se estreou em 2005 com “Victim of truth”, assemelha-se a uma flauta nos seus agudos, suave e delicada quase a extinguir-se. Mas é também um sopro intenso, de matizes variadas que nos embalam e sacodem - faz-nos deliquescer até dar o murro na mesa: “Temos de parar com o egoísmo. Reparar nas dificuldades dos outros. Um dia podemos ser nós a precisar de ajuda.” Envolvida por r&b e afrobeat, Nneka (“a mãe é suprema” na língua igbo) é uma potência soul que nos atinge mansamente mas sem piedade: ficamos cativos, como no poema de Camões.
DESFILE DE CLÁSSICOS
Depois do último tema, “Heartbeat”, Nneka abriu o palco para uma desfilada de clássicos. Os Ghorwane, “o lago que nunca seca”, assinalavam 40 anos de carreira. Furaram as fronteiras com “Majurugenta” (1993), trazendo ao Mundo a combinação entre géneros tradicionais de Moçambique, como a marrabenta e o muthimba, e o afropop. Dinâmicos e divertidos, agitaram não só o público dentro do castelo, mas também os que assistiram ao concerto através dos ecrãs espalhados por Sines - e há relatos de que a festa foi ainda maior extra-muralhas.Mais antigos ainda são Os Tubarões, nome crucial da música de Cabo Verde desde 1969. Nasceram na cidade da Praia e as suas canções são um verão perpétuo. Esfuziantes por um lado, na sua mexida de funaná e coladeira, mas com o travo de melancolia que se desprende da morna. A comunidade local de caboverdianos trouxe as bandeiras e começou a formar pares de dança.
No fim do concerto, já não havia quase ninguém a abanar sozinho. Quantos casamentos irão provocar Os Tubarões?
Também vetustos mas vitais são os Super Mama Djombo, ativos desde meados dos anos 1960. Ganharam protagonismo com a independência da Guiné-Bissau, em 1974, chegando a atuar durante os comícios de Luís Cabral, primeiro presidente do novo país. Apresentam-se como orquestra polifónica, com membros de várias gerações, desenhando a sua rota musical a partir do “gumbé”, que junta vários ritmos tradicionais. Foi um dos cantores que elencou os países presentes no seu coração, não se esquecendo de referir Timor e Macau.
PANTEÃO DE SINES 2023
O programador do FMM, Carlos Seixas, falou da proximidade dos 50 anos do 25 de Abril para justificar o convite a históricos de países de língua oficial portuguesa. Na última noite do festival, percebeu-se que há um caminho amplo a trilhar em conjunto. E que será tudo muito fácil se avançarmos com música.
Outros nomes para o panteão de Sines 23 incluem os Inna de Yard, grupo de venerandos rastafari que atuou na sexta-feira. Transportam-nos para uma rua de Kingston, na Jamaica, com o seu reggae de raízes e o seu espetáculo de “toasting”, cantando e improvisando à vez sobre batida contínua. Cada um com a sua história e a sua mensagem. Vozes roucas e maviosas. Um destino escrito: “Rastafari for life.” Ainda na sexta, o psicadelismo dos Al Qasar, que ganha complexidade com a geografia: sugam material da Arménia, Líbano e Sudão a partir do aspirador de Thomas Attar Bellier, guitarrista e produtor franco-americano.
Lembrar ainda a tapeçaria elétrica dos Tinariwen, a fogosidade de Lila Downs, as palavras políticas de A Garota Não e a corda solitária de Brushy One String. A volta ao Mundo em concertos estará de volta a Sines e Porto Covo em julho de 2024.

