Festival terminou ontem com Rokia Traoré e Kokoroko. Carlos Seixas, programador, falou ao JN das expectativas
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Evento A maioria dos festivais de música são avaliados essencialmente pelo cartaz, que pode ser melhor ou pior. As condições e a localização entram também em pauta, como segundo critério. Raramente o “significado” de um festival é tido em conta, simplesmente porque esse significado não existe para lá do cartaz ou da localização. Não é o caso do Festival Músicas do Mundo (FMM), que terminou ontem no Castelo de Sines, com atuações de Rokia Traoré, Kokoroko ou Warsi Brothers.
O FMM é ele próprio um significado: a defesa da diversidade e, sobretudo, da partilha. Boa parte do seu cartaz faz-se do encontro entre músicos de geografias e culturas diferentes. O festival pergunta: o que podemos fazer em conjunto com o outro? E a resposta é sempre a mesma, desde há 25 anos: excelente música. O risco de um estreitamento da oferta, onde só cabe o puro entretenimento, é algo bastante real, diz Carlos Seixas, histórico programador de Sines: “A maior parte do bolo vai hoje para os grandes festivais, que conseguem assegurar o ‘ticket’ dos artistas mais caros. Para os festivais mais pequenos e alternativos, as coisas estão difíceis, porque os custos de produção dispararam nos últimos anos e há menos financiamento”. Sobre o futuro, que dependerá do executivo que sair das próximas autárquicas – o atual edil, Nuno Mascarenhas, termina o terceiro mandato –, o programador do FMM espera apenas “sensatez”:
“Um festival com esta natureza tem de ser preservado, porque representa princípios básicos para uma sociedade: liberdade, fraternidade, tolerância.”
Viagens sonoras
Na penúltima noite do festival, todo o seu significado voltou a estar patente: em meia dúzia de horas viajou-se da Escandinávia (Mats Gustafsson & Kimmo Pohjonen a testarem os limites do acordeão e do saxofone num número exploratório e imersivo) à província chinesa da Mongólia Interior (a sofisticada sessão clubbing dos Taiga, que misturam eletrónica com instrumentos tradicionais como o arco morin khuur e a flauta tsuur).
Fez-se um desvio até à Invicta para escutar o verbo afiado de Capicua: “Que se f*** a finitude desde que haja dados ilimitados”, debita ela em “Chiaroscuro”, tema que abre o novo álbum, “Um gelado antes do fim do Mundo”, que dominou o concerto.
Soma intergeracional
E contactou-se com dois clássicos. Um vem do Senegal, tem nome de árvore africana e enamorou-se por Cuba. Desde 1970 que a Orchestra Baobab percorre os palcos do Mundo e renova os seus membros: apresentou-se com músicos de várias gerações e a primeira mulher a integrar a formação, a encantadora Ndeye Korka Dieng. Da profusão de elementos, destaca-se o requinte do jazz latino combinado com a intensidade africana.
O resultado são dois continentes a dançar em conjunto.E do Brasil chegou outro emblema – Nação Zumbi, representante máximo do movimento manguebeat, que a partir de 1991, no Recife, atirou para o mesmo caldeirão registos locais como o maracatu e o frevo e géneros universais como o hip-hop, o funk e o metal. Foram sabe-se lá quantos continentes a dançar em conjunto. v