Fontainhas Fernandes: "O legado de Agustina Bessa-Luís é o incentivo à coragem"
Comissário-geral das Comemorações do Centenário do Nascimento de Agustina Bessa-Luís, António Fontainhas Fernandes mostra-se esperançado de que o programa contribua para a descoberta da autora junto de um público mais alargado, sobretudo as novas gerações.
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Aproximar os livros de Agustina dos portugueses é um dos propósitos centrais do programa comemorativo que hoje arranca em Amarante e no Porto.
Para o antigo reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o apelo dos seus livros continua a fazer mais sentido do que nunca.
De que forma o programa do centenário pretende celebrar a vida e obra de Agustina?
O grande objetivo das comemorações tem que ver com o reconhecimento do valor nacional e internacional de uma referência incontornável da literatura e da cultura do nosso tempo.
Os apoios obtidos foram ao encontro do que pretendiam?
Houve um grande apoio por parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte, que considera que as comemorações são um momento de relevância de um dos grandes vultos do norte com projeção nacional e internacional. Houve um grande apoio de autarquias com entidades muito ligadas à sua vida. Há um forte empenho de todos os envolvidos, mas já autarquias de outras áreas que não o norte que pretendem desevolver iniciativas, como Sintra, Lisboa ou Coimbra.
Atrair novos leitores para a sua obra é o desígnio maior?
Um dos grandes eixos são as leituras encenadas. A própria Agustina dizia que ler e educar são inseparáveis. Dizia que ler nos protege da fossilização e prepara-nos para uma constante participação no mundo das ideias. Por isso, conservar hábitos de leitura e elevar os índices de literacia são alguns dos objetivos que pretendemos concretizar nas escolas. Também existe um outro eixo, de natureza científica, que pretende traduzir a obra da Agustina para língua inglesa, projetar a obra da Agustina extramuros. A própria exposição da vida e obra de Agustina é produzida em articulação com o Instituto Camões, que pretende depois levá-la a outros países.
Agustina era uma figura complexa, com várias dimensões. Será possível convocá-las todas durante as comemorações?
O próprio mote do programa diz que, para Agustina, criar é, ao mesmo tempo, obediência e revolta. E prova que o legado da Agustina é o incentivo à coragem, liberdade, uso do conhecimento e imaginação, mas propondo ainda humildade no reconhecimento do mistério e um certo ativismo na leitura do mundo. Não é uma leitura fácil, mas, como escreveu Eduardo Lourenço, contribuiu para a abertura de uma nova literatura em Portugal, com a publicação de "A Sibila" na década de 1950.
O que representa para si, em termos pessoais, o envolvimento neste projeto?
Para já, um grande desafio. Fui contactado pela família para comissariar estas comemorações. A minha área não é a da Cultura nem literatura. Sou um 'outsider' do sistema, mas Agustina levou-me ao conhecimento de novas figuras. Um dos romances que mais me marcou foi "Meninos de ouro", que falava na cena política portuguesa. Mas também "As pessoas felizes", um livro tão simples e não tão divulgado em que defende que é possível aos nortenhos encontrarem a felicidade. É um grande desafio. Espero cumprir o mote de obediência e revolta perante o que costumava fazer na vida diária.
Agustina ainda faz falta na literatura e até na vida pública?
Foi uma figura incontornável da vida portuguesa, conhecida pela erudição, experiência de vida, e teve um papel fundamental para o enriquecimento da sociedade portuguesa. Teve também uma participação ativa na vida pública, dirigiu um teatro, um jornal e uma participação política nada fácil.
A sua voz desassombrada seria particularmente importante nestes tempos?
São as pessoas críticas que fazem as revoluções e a sociedade precisa delas para evoluir. Cada vez mais, as pessoas querem ser envolvidas nas decisões políticas e não receber de forma passiva as instruções dos políticos.
Daqui a um ano, Agustina será um nome ainda mais familiar na vida de muitos?
Não sendo uma escritora fácil, a sua obra pauta-se por uma imaginação prodigiosa que abrange as pessoas que trabalham na terra às figuras da sociedade portuguesa ou literárias. As diferentes vertentes de Agustina podem estar mais presentes na vida de mais pessoas, incluindo os jovens. O apoio institucional pode ajudar a projetar a sua obra para nível internacional.