
Escritor de 36 anos vê-se como “um pessimista com boa vontade”
Foto: André Rolo
“Morramos ao menos no porto” é o novo livro de Francisco Mota Saraiva.
Primeiro foi o Prémio Revelação Agustina-Bessa Luís, com “Aqui onde canto e ardo“; menos de um ano depois, seria a vez do Prémio Saramago. Agora que “Morramos ao menos no porto” chegou às livrarias, Francisco Mota Saraiva diz ter ainda dificuldade em processar tudo quanto lhe tem acontecido nos últimos tempos. “Sinto ainda uma certa estranheza. Parece que o nome que está na capa não é o meu”, confessa, reconhecendo “o peso de ser um herdeiro de Saramago”.
A atmosfera densa e sombria que percorre o seu segundo romance – escrito, curiosamente, antes de “Aqui onde canto e ardo” – remete-nos para um mundo onde a esperança é um cenário quase ausente, povoado por personagens que são lídimos representantes “dos canalhas que habitam o mundo”.
Por onde entra a luz no meio de tantas sombras, afinal? “Em algumas situações, é um romance quase tétrico”, admite Mota Saraiva. Mas, para lá de toda a carga depressiva, “o livro não deixa de ser uma grande história de amor, um amor que se prolonga para lá da própria existência”.
O romancista refere-se a António e Silvina, o casal em torno do qual toda a história de “Morramos ao menos no porto” é construída. Mau grado a esposa seja um “corpo defunto numa cadeira de baloiço”, o homem embala a sua tristeza, cuidando com desvelo das suas feridas, enquanto rememora 25 anos de convívio.
Esta tocante relação é o exemplo de “um dos pontos de luz que se acendem ao longo do mundo”, mesmo que seja uma exceção na fria realidade circundante. “Sou um pessimista com boa vontade. Quando olho para os caminhos por onde o mundo nos leva, fico num estado de inquietação“, constata.
“Uma alma velha”
A escrita é uma companhia fiel de Francisco Mota Saraiva desde a adolescência. O contraponto ideal para uma atividade profissional em que o Direito e a Gestão assumem primazia. Embora “não haja nada de poético ou literário na minha formação académica e atividade profissional”, há muito que a escrita é um dos eixos estruturantes da sua vida.
Independentemente de só agora ter obtido o reconhecimento que sempre ambicionou, diz que nunca desistiu do sonho de ser escritor, “apesar das muitas recusas”.
O que lhe proporciona de diferente a escrita é uma matéria sobre a qual tem dificuldade em opinar. As “sensações muito diferentes” que experimenta, da “frustração à alegria”, serão uma das razões, mas nenhuma é tão sólida como a vontade de questionar-se, convicto que está de que “é o desconforto que me empurra para a escrita”. “É como se entrasse num túnel, sem saber para onde vou”, explica.
Na apresentação portuense de “Morramos ao menos no porto”, Valter Hugo Mãe, impressionado com “o belíssimo livro de uma voz incomum”, definiu Francisco Mota Saraiva como “uma alma velha, desencontrada no seu século”, nos antípodas de uma geração “que busca uma candura e uma pureza que não existem”. A apreciação colhe a simpatia do escritor e advogado, empenhado em eliminar as marcas temporais nos seus livros. “Gosto de trazer tudo para a escrita, até o mais corriqueiro”, detalha.
