O editor da Relógio D'Água define Agustina Bessa-Luís como "conservadora e iconoclasta, convencional e subversiva". Até final do ano, há mais quatro livros e reedições a caminho, incluindo uma reunião das suas entrevistas.
Corpo do artigo
Esperançado de que o centenário do nascimento de Agustina Bessa-Luís alargue e aprofunde o conhecimento da sua obra, Francisco Vale aponta o caráter singular dos seus livros, que exige leitores "disponíveis para o espanto, a audácia do insólito e as contradições".
O que espera que as comemorações do centenário tragam no que concerne a uma maior divulgação e conhecimento da sua obra? Quais deveriam ser os eixos fundamentais?
As comemorações do centenário do nascimento de Agustina vão alargar e aprofundar o conhecimento da sua obra. Estão em curso reedições dos seus romances, debates, iniciativas relacionadas com música e artes plásticas e novas traduções.
Considero Agustina a maior romancista portuguesa de sempre e um dos três principais escritores do século XX português. Desde a publicação de "A Sibila" (1954), a sua obra constituiu-se como um corpo estranho na literatura portuguesa, reconhecida embora desde o início por críticos como Óscar Lopes, Eduardo Lourenço e António José Saraiva.
Nos anos 50 ou 60, os leitores de Agustina eram sobretudo pessoas com mais de cinquenta anos de famílias cultas e em geral conservadoras. Para usar a expressão com que Frederico Lourença se referiu à própria família, ela era o terceiro elemento da santíssima trindade literária, a par de Camilo e Eça de Queirós. A situação foi-se alterando, em particular nos últimos anos. Os filmes de Manoel de Oliveira e João Botelho sobre as suas obras trouxeram-lhe novos leitores, disponíveis para o espanto, a audácia do insólito e as contradições. O corpo estranho foi sendo assimilado sem perder o travo de estranheza.
Mas, mesmo agora, os leitores de Agustina não são os que procuram livros que agradam de imediato, mas os que se sentem capazes de vencer algumas dificuldades na obra de uma escritora que nunca as procurou nem as evitou, sempre explorou as contradições da vida familiar e foi sensível ao efeito das mudanças políticas nos caracteres e às virtualidades da língua portuguesa.
Por que razão continua a ser fundamental ler os seus livros?
Ler os livros de Agustina continua a permitir alargar horizontes e viver outras vidas. Nenhum autor português teve a sua capacidade de transformar pessoas em personagens.
Através da sua obra, realista num certo sentido, podemos reconstruir a vida de gerações de portugueses, os seus desejos, ambições e medos. Embora centrada no Norte e sobretudo na região duriense, o cenário dos seus livros alargou-se a todo o país. Para conhecer o Porto, nada melhor do que ler "A Muralha", para saber do Alentejo, "Ternos Guerreiros", para o Douro, "Os Incuráveis", e para os Açores, "A Corte do Norte".
Como planeia a Relógio D'Água comemorar esta efeméride?
A biografia de Agustina está a ser escrita pelo historiador Rui Ramos, talvez a pessoa que, em Portugal, melhor conhece a sua vida e obra.
Saíram entretanto dois excelentes livros de Mónica Baldaque, "Sapatos de Corda" e "Agustina e As Sibilas - Diálogos em sfumato", essenciais para entender o processo criativo de Agustina.
As comemorações do centenário de Agustina extravasam em muito a editora Relógio D"Água. Passam por ações de um conjunto de municípios nortenhos, de Amarante à Póvoa de Varzim, e pelas universidades do Porto, Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro. Particular interesse têm as iniciativas levadas a cabo pela Fundação Gulbenkian, no dia 18 de outubro, do Museu Serralves e do Museu Amadeo de Souza-Cardoso. Está também em preparação um filme sobre A Sibila com realização de Eduardo Brito.
A Relógio D"Água publicará nos próximos dias reedições de "Aforismo"s, "Breviário no Brasil" e "A Alma dos Ricos" e antes do final do ano uma antologia das suas entrevistas organizada por Lourença Baldaque. Algumas livrarias vão dar um destaque especial aos seus livros. Em termos de traduções, sairá Embaixada a Calígula na editora La Umbría y la Solana, tudo indicando que outras se seguirão em espanhol, tanto mais que o suplemento literário do "El País", Babelia, dedicou a sua capa à autora de A Sibila, que foi comparada a Yourcenar e Virginia Woolf.
Em Atenas, realizou-se a 4 de Outubro um atelier de tradução coletiva dedicado à obra de Agustina. E recebemos há pouco a tradução chinesa de Fanny Owen com apresentação de Hélia Correia.
Publicámos recentemente o "Livro dos Prefácios à Obra de Agustina Bessa-Luís".
O principal trabalho da Relógio D"Água continuará a ser o de pôr à disposição dos leitores os livros de Agustina com a adequada fixação dos textos e prefácios de escritores para que novos leitores possam conhecer uma autora ao mesmo tempo conservadora e iconoclasta, convencional e subversiva.