Novo diretor artístico é francês, diz-se “filho de Pierre Boulez”, é fanático de Mozart, Mahler e Villa-Lobos, e sonhou ser cantor lírico.
Corpo do artigo
“Tive 60 horas de aulas intensas de português antes de vir para cá”, revelou ao JN o francês François Bou, que é, desde janeiro, o novo diretor artístico da Casa da Música. Considerado um renovador, sublinha que a “imersão linguística” será essencial à sua função: “Não é só uma obrigação falar a língua, é também um prazer”.
Nascido no Norte de França há 64 anos - faz 65 no dia 30 –, descreve-se com alguma ironia: “Nem eu mesmo sei quem sou. Nasci em Saint-Quentin, sempre me interessei por organizar espetáculos de teatro, opereta, música…”. Aos 18 anos, foi estudar canto lírico no Conservatório de Paris, mas rapidamente percebeu que a carreira de intérprete não era para si. “A prática do canto é demasiado egoísta. Percebi que gostava mais de partilhar, de organizar, de construir com os outros”.
O seu percurso é vasto e multifacetado. Trabalhou como regedor, técnico de orquestra, agente, diretor e até assistente de encenação. “Fiz quase tudo, exceto ser músico de orquestra”, diz. Essa experiência diversificada, afirma, permite-lhe compreender todas as camadas que compõem uma instituição cultural. “Posso falar com todos os técnicos, com todos os responsáveis. Conheço os caminhos. Já os fiz”.
Programar é como cozinhar
A primeira vez que visitou a Casa da Música, em 2013, foi ainda como diretor da Orquestra Sinfónica de Barcelona, numa viagem feita com o intuito de estabelecer colaborações. Nesse encontro inicial com António Jorge Pacheco, anterior diretor da Casa, ficou “imediatamente impressionado com a qualidade e a ambição do projeto artístico”. A memória dessa visita permaneceu viva – não só pela imponência arquitetónica do edifício, mas também pela força simbólica que a Casa da Música parecia carregar. “É um espaço com uma identidade tão marcante e uma estrutura tão reconhecida internacionalmente, que exige rigor, criatividade e pensamento inovador”. Era evidente que ali não havia espaço para a mediania, por isso ficou 12 anos a sonhar com o que agora lhe aconteceu.
A paixão pela programação cultural é o que mais o preenche. “É a parte mais criativa. As instituições existem para servir a arte e os cidadãos, não o contrário”, defende. Programar, para Bou, é como cozinhar. “Sou como um chef que prova algo e quer partilhar com os outros. A arte é isso – partilhar o melhor da música”. Quanto ao seu estilo como programador, assume: “Sou um filho de Pierre Boulez”, o célebre maestro, pedagogo musical, ensaísta e compositor francês de música erudita.
Sobre o papel da música, fala com devoção: “É, espiritualmente, a expressão mais elevada do que pode produzir o ser humano”. Distingue entretenimento da arte, que provoca reflexão e emoção. “Há músicas que nos tocam sem sabermos porquê. Depende do momento da vida. Às vezes, preciso de Rossini, outras de Boulez”.
Villa-Lobos em 2026
Mozart é o seu compositor. “As emoções de Mozart são simples e complexas. Ele é universal”. Mas tem outros essenciais: Mahler, Ravel, Debussy, Shostakovich e Villa-Lobos – este último abrirá a temporada de 2026 da Casa, no seu primeiro ato de programação.
O que encontrou na Casa da Música reflete aquilo que sempre quis construir: programação coerente, ousada, transversal, onde o cruzamento de diferentes géneros e linguagens musicais não é apenas possível, mas desejável. A Casa da Música, à semelhança da Filarmónica de Paris, representa um modelo que entronca na sua forma de pensar a música, os públicos e o papel das instituições culturais no século XXI.
Com entusiasmo sereno, François Bou quer abrir espaço a novas estéticas. “A Casa da Música deve refletir a diversidade. Mas sem competir com os programadores privados. Esta instituição tem um ‘label’ de qualidade que exige rigor e profundidade”, conclui.