Cineasta françês fala-nos de "Adeus Senhor Haffmann", já nas salas de cinema.
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França, 1942. Haffmann é um joalheiro parisiense de sucesso. Mas é judeu e a capital é ocupada pelos nazis. Faz então um acordo secreto com o seu assistente, François, um homem com uma pequena deficiência física que apenas quer constituir família com a mulher que ama. Mas a oportunidade vai levá-lo a uma decisão que vai determinar o futuro destas três personagens. É esta a história de "Adeus Senhor Haffmann", um filme sobre o período da ocupação, dando um olhar sobre a época contrário à habitual visão heroica. O filme é interpretado por três grandes atores, Daniel Auteuil, Gilles Lellouche e Sara Giraudeau, dirigidos por Fred Cavayé, que falou com o JN sobre o seu filme.
Como é que se deu o seu encontro com a peça em que o filme se baseia?
Conheço há muito tempo o autor da peça, sou amigo do Jean-Philippe Daguerre. Ele enviou-me a primeira versão da peça mas não a li porque preferi ir vê-la no palco. Quando ele a encenou num pequeno teatro a peça era formidável mas não era aquilo que eu imaginava depois de ele me contar a história. E no final do espetáculo pedi-lhe para a adaptar.
Quais foram as principais modificações que fez?
Queria que o tema fosse o das pessoas que se comportaram mal durante a ocupação, que não foram heróis. Quis construir a história sobre uma personagem que ao princípio não é forçosamente má mas que aos poucos se torna. A peça teve imenso sucesso em França, ganhou prémios Molière e outras recompensas. Mas o filme tornou-se mais sombrio.
A sua coargumentista, Sarah Kaminsky, trabalha mais no domínio da comédia.
É verdade que no cinema sim, mas ela escreveu um livro sobre o pai, que era falsificador, não para ganhar dinheiro, mas para ajudar judeus durante a ocupação. Foi alguém que salvou 10 mil pessoas. Achei que era interessante trabalhar com quem já tinha escrito sobre esse período.
Com tantos filmes sobre o tema, não receou que as pessoas pensassem que era mais um filme sobre a Segunda Guerra Mundial?
É verdade que pensei nisso, mas em França não houve assim tantos filmes sobre os colaboracionistas, apesar de obras-primas como "Lacombe Lucien" ou "Mr. Klein". Achei interessante abordar o período, mas sob esse ponto de vista. E que fosse um thriller, um filme lúdico. Um filme de guerra onde não se vê a guerra. Onde se conta a pequena história de três personagens sob o pano de fundo da grande História.
Apesar de haver alguns exteriores, o filme aguenta o espectador em suspenso a maior parte do tempo dentro de um espaço fechado.
É a história que ordena como é que a vamos encenar. Filmei muito mais sequências de exteriores mas acabei por não as colocar na montagem final. Quando saímos daquela loja, quando não estamos com as três personagens centrais, a história já não nos interessa tanto. E acabamos por esquecer que estamos num espaço fechado.
Podemos dizer que é também um filme sobre a França de hoje, dividida.
É sobretudo um filme sobre um tipo de personagem muito atual, que quer brilhar aos olhos de todo o mundo. Que gostava que as pessoas olhassem para ele de outra forma, mas a sua pequena deficiência física não o permite. Não é só sobre França, é sobre a imagem que damos de nós nas redes sociais. Como se diz no filme, antes ele não queria nada, agora quer tudo.
A estreia do filme em Portugal cai em plena campanha eleitoral francesa.
E há muitos políticos que falam do passado e têm tendência a refazer a nossa História. Em relação a Vichy, a Petain. É sempre bom recordar a verdade histórica dos factos. Que não eram só os alemães que prendiam judeus, era também a polícia francesa. A França vivia um período de medo, como vive agora outra vez. Não é comparável, mas as pessoas têm medo outra vez. Como então, é preciso ser vigilante e inteligente nas nossas escolhas.
O estudo deste período de que o filme fala é hoje em dia estudado em profundidade nas escolas?
Sim, o período é estudado. E produzimos um dossiê pedagógico, trabalhado por mim e por um professor de História. Tem havido uma imensa procura, por parte dos professores, para mostrar o filme aos alunos. Falou-se muito de heróis mas pouco das pessoas que se comportaram mal durante esse período. É ainda um tema tabu, vi-o bem nas reações ao filme nas redes sociais.
Vendo o filme não o podemos imaginar sem estes três atores.
É antes de mais um filme de atores. Escrevi-o a pensar desde logo no Gilles Lellouche. Já fiz quatro filmes com ele e adoro a sua paleta. Sabia que era capaz de interpretar esta personagem, que tem uma trajetória que parte do Bem para ir ter com o Mal. Estou extremamente honrado por ele ter aceite e pelo trabalho que fez. Mostra uma faceta dele que ainda não tínhamos visto.
E tem um duelo magnífico com Daniel Auteil.
Queria que, face a ele, houvesse um encontro como nos filmes franceses dos anos de 1970, com Alain Delon, Jean-Paul Belmondo, Jean Gabin. Atualmente, no cinema francês, as duas grandes estrelas são o Gérard Dépardieu e o Daniel Auteuil. Pensei primeiro no Daniel Auteuil e ele aceitou fazer o Senhor Haffmann. É uma personagem que observa, mas que de repente ganha uma espessura e um carisma enormes.
Sara Giraudeau é a surpresa do filme.
Queria alguém que estivesse à altura deles dois. A Sara Giraudeau é uma atriz extraordinária. Tem uma grande inteligência em relação à personagem e à sua representação. De início tem um lado quase infantil, mas aos poucos vamos observando nela uma espécie de emancipação. Precisava de uma atriz que fosse brilhante. É uma revelação, uma atriz imensa.
Onde é que rodou os exteriores do filme? Imagino que os interiores foram feitos em estúdio.
Os interiores foram todos rodados em estúdio. A fachada e a rua foram filmadas em Montmartre. Redecorámos todos os prédios e a partir do primeiro andar é tudo em efeitos digitais. Pintámos tudo como na época, mas sem dar a ideia que era uma reconstituição. Aquela rua ficou assim durante o confinamento, porque não pudemos começar a filmar. Na hora em que as pessoas podiam sair à rua era como se estivessem em 1942.
Já está a trabalhar num novo filme?
Gostava de voltar a fazer um filme de suspense, com duas personagens. Mas a minha filmografia é muito heterogénea. Já fiz comédias, filmes de suspense. Gosto de filmes de todos os géneros. Adorava fazer um filme-catástrofe. Sou como um espectador. Tenho vontade de fazer de tudo. Mas ainda é muito cedo, se falarmos daqui a algum tempo já lhe digo.
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