Ensaísta, tradutor e professor, Frederico Lourenço acaba de lançar "Camões, uma antologia", uma tentativa de aproximação das estéticas quinhentistas ao leitor contemporâneo. Ao JN, defende que universo lírico de Camões "deslumbra qualquer um".
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Camões é um autor inescapável no percurso pessoal e académico de Frederico Lourenço. Mas é-o também no plano literário, ou não tivesse o seu celebrado romance "Pode um desejo imenso" um forte cunho camoniano .
Em declarações ao "Jornal de Notícias", o poeta e ensaísta revela a expectativa de que as comemorações em curso não só reaproximem Camões dos portugueses como tragam novos estudos de relevo.
O que faz de faz de Camões um autor eminentemente contemporâneo, na sua opinião?
Vejo Camões como um autor intemporal cuja obra comporta textos que quase se afiguram contemporâneos ao lado de outros textos que estão ancorados de forma inamovível no século XVI. A parte menos contemporânea da sua obra são as três peças, que são puro teatro quinhentista composto numa linguagem difícil para espectadores de hoje. É claro que a linguagem d'Os Lusíadas, imbuída de latinismos, também coloca os seus desafios à leitura no século XXI. É na obra lírica de Camões que encontramos aqueles textos milagrosos que transcendem as marcas do tempo. Penso sobretudo nos sonetos (desde logo os incontornáveis «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades» e «Amor é um fogo que arde sem se ver»). Mas voltando aos Lusíadas: o facto de a linguagem ser latinizante não impede o poema de ter relevância contemporânea, sobretudo porque o grande tema d'Os Lusíadas é a ideia de Portugal. Será sempre relevante revisitarmos os termos em que Camões equacionou a conceptualização do nosso país e da nossa identidade.
Como se transmite o encantamento e o fascínio de Camões a um leitor de hoje?
Para a adesão imediata a grande parte do universo lírico de Camões não são necessárias mediações académicas. Os Sonetos e as Canções deslumbram qualquer leitor pela musicalidade e pela imagética caleidoscópica. Há outras zonas da obra lírica de Camões em que a mediação erudita é mais precisa, como no caso das suas Éclogas, onde os motivos pastoris recriam o bucolismo de Vergílio, de Sannazaro e de Garcilaso. Na minha Antologia tento aproximar os leitores de hoje dessas estéticas quinhentistas, dando-lhes a ponte necessária para fazerem a viagem no tempo. Uma coisa é certa: em 40 anos de vida universitária, nunca encontrei alguém que me dissesse «não gosto de Camões».
O que espera que as comemorações dos 500 anos tragam à compreensão da sua figura, mas também do que escreveu?
Estou muito curioso relativamente aos novos contributos bibliográficos que a comemoração do centenário vai propiciar. Sei que irão sair novas edições da obra camoniana e também estudos variados sobre o poeta. Serei um leitor atento e interessado desses contributos. A minha maior esperança é que a sociedade civil se entusiasme por Camões e que parta à descoberta da sua obra. Mas também acho que o centenário devia estimular o interesse pelas outras artes que se cultivavam no tempo de Camões: a música portuguesa (e ibérica, de um modo geral) do tempo de Camões é lindíssima. Espero que haja muitos concertos e gravações que dêem a conhecer esse repertório a um público mais vasto.
O ensino tem tratado devidamente Camões?
Os professores do ensino secundário e universitário têm sido os grandes paladinos de Camões e merecem toda a nossa gratidão. Lembro-me bem das aulas do Professor Costa Miranda na Faculdade de Letras de Lisboa, que me iniciaram nos Estudos Camonianos, e do entusiasmo com que li e ainda leio a bibliografia escrita por muitas gerações de camonistas. Quando eu era professor na Faculdade de Letras de Lisboa, dei um seminário sobre Camões no Programa em Teoria da Literatura, que me deu um prazer enorme. A sala de aula é um lugar abençoado para se discutir Camões