Cineasta iraniano fugira há dias do seu país, onde fora condenado a pena de prisão.
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Era assunto tabu desde o início de Cannes, mas sentia-se que podia acontecer. Fugido pouco antes do festival começar do seu país, onde fora condenado a oito anos de prisão, flagelação, multa e confiscação de bens, Mohammad Rasoulof chegou a Cannes para apresentar o seu novo filme em competição, “The Seed of the Sacred Fig”, que as autoridades iranianas tentaram por todos os meios que fosse retirado do festival.
O silêncio da direção de Cannes em relação a mais este atentado à liberdade de expressão de um artista no Irão, percebe-se agora, terá sido uma forma de não atrair mais as atenções, num momento em que o realizador preparava a sua fuga do país no máximo secretismo. Um acontecimento que sucede poucos dias antes da morte do presidente iraniano, na sequência da queda do helicóptero onde viajava.
Aliás, não terá sido por acaso que o filme de Rasoulof foi colocado no último dia de competição. Os prémios serão anunciados na cerimónia de encerramento do festival, amanhã ao fim da tarde, e não estranhará que o filme do realizador iraniano venha a fazer parte do palmarés final. Rasoulof é mais um exemplo do grande cinema iraniano das últimas décadas, apesar de todos os problemas de censura que enfrenta, e já venceu o Urso de Ouro de Berlim.
Muita matéria para discutir nas próximas vinte e quatro horas em Camnes. Rasoulof deverá assim subir a passadeira vermelha, hoje às 15 horas (uma hora a menos em Portugal continental) e estará na conferência de imprensa marcada para a manhã de sábado. A segurança, que já tem sido das mais apertadas de que há memória em Cannes, deverá assim ser mais visível nestes dois últimos dias da edição 77 do festival francês, o mais importante do mundo do cinema.
No que diz respeito a filmes a concurso, o último dia acolheu uma obra que dificilmente escapará ao palmarés e é mesmo um candidato forte à tão desejada Palma de Ouro. Segunda longa-metragem da indiana Payal Kapadia, de que se estreara em Portugal a obra iniciática, “Noite Incerta”, que estivera em Cannes mas na Quinzena de Cineastas, “All We Imagine as Light” é um título poético de um relato duro, mas não desprovido de graça e encanto.
Pssado em Mumbai, mas produzido com capitais maioritariamente estrangeiros, nomeadamente franceses, o filme acompanha o dia-a-dia de uma enfermeira num hospital da cidade, cujo marido está a trabalhar na Alemanha, e partilha o apartamento com uma jovem que tenta encontrar um lugar para viver a sua intimidade com o namorado.
Pervertendo as regras estritas da produção de cinema na Índia, com cenas de nudez e de sexo, a jovem realizadora, uma das quatro mulheres a concurso, oferece-nos um retrato muito vivo da cidade e uma personagem feminina tocante, no seu equilíbrio entre as obrigações da sua profissão, a sobrevivência numa das cidades mais complexas do mundo e na sua própria aspiração a ser feliz.
Entretanto, o brasileiro Karim Ainouz regressa ao seu pais natal, para assinar “Motel Destino”. Depois de buscar as suas raízes aargelinas no documentário “Marinheiro das Montanhas” e do filme de época na coroa britânica com “Firebrand”, o realizador do sublime “A Vida Invisível” constrói um triângulo amoroso ao estilo de “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, entre o proprietário de um hotel onde os clientes buscam satisfazer os seus desejos sexuais, a sua mulher e um jovem empregado em fuga de uma tragédia pessoal. Com cores saturadas, apostando no vermelho do desejo, da carnalidade, da paixão, com cenas de sexo bastante cruas e vívidas e com um Fábio Assunção irreconhecível, “Motel Destino” sacudiu também um pouco um festival que raras vezes despertou grandes paixões com a sua seleção oficial.