O quadro "Descida da Cruz", de Domingos Sequeira, foi comprado pela Fundação Livraria Lello, confirmou, esta quarta-feira, o Governo e a fundação portuense. A obra será exposta no Mosteiro de Leça do Balio, no dia 18 de maio.
Corpo do artigo
A emblemática pintura a óleo “Descida da Cruz”, de Domingos Sequeira, irá estar em exposição pública no Mosteiro de Leça do Balio, no dia 18 de maio, sede da recém-criada Fundação Livraria Lello. O quadro depois segue para vários museus nacionais, não sendo ainda conhecidos quais, nem em que datas. Depois da polémica em torno da sua saída do país, a obra do século XIX, que chegou a estar à venda no estrangeiro, foi comprada pela Fundação Lello, permitindo, por meio de um entendimento com o Estado, assinado esta quarta-feira, a sua exibição pública.
Na cerimónia de assinatura do memorando que permite a exposição pública da obra icónica do século XIX, esta quarta-feira no Palácio da Ajuda, em Lisboa, o quadro esteve visível para jornalistas e convidados.
Em declarações aos jornalistas, a presidente da recém-criada Fundação Livraria Lello, Rita Marques, explicou como no dia 18 de maio a pintura “estará exposta no Mosteiro em Leça do Balio, sendo também nessa data transferida para um museu nacional”.
Itinerante, para maior "usufruto"
Sem nunca dar detalhes sobre a localização, ou as localizações, do quadro a partir de 18 de maio, a presidente da fundação foi perentória quanto ao seu futuro: segundo o memorando de entendimento assinado com o Estado, ficam determinadas “condições segundo as quais esta obra de arte será colocada à fruição pública”, frisou, em “um ou vários museus”, acrescentou.
De resto, complementam-se três pontos de narração: além do primeiro, dos museus nacionais, Rita Marques destacou a importância de um “contexto” internacional: “temos a missão e a responsabilidade, sobretudo, de colocar esta obra à vista, também, à fruição pública internacional”, frisou.
O terceiro ponto passa por “locais inusitados”, disse. “Temos esta gene cá dentro, que passa muito por providenciar experiências, um tanto ou quanto disruptivas” frisou, sendo objetivo da fundação “promover, porque não?, um encontro na arte, de forma inesperada, incitando à reflexão, a um pensamento crítico e inspiracional”.
Quanto às razões por detrás da compra, além do “valor patrimonial, histórico e cultural” da obra, a responsável destacou duas: “desde logo, quando a Fundação Livraria Lello foi criada, em janeiro deste ano, assumimos a nossa missão de colocar todas as pessoas em melhores condições para lerem o mundo, utilizando naturalmente a arte, a cultura, o conhecimento, também o livro, como alavanca para essa curiosidade, introspeção, para essa reflexão, pensamento crítico”, frisou.
Nessa perspetiva, "entendemos que a colocação, a fruição de uma obra como aquela que temos aqui hoje em presença, permite justamente, reclamar melhores condições para esse pensamento crítico”. O outro motivo prende-se com “a necessidade de todos nós, de forma individual, coletiva, a nível público e privado, assumirmos e darmos à cultura um maior papel e uma maior relevância no nosso quotidiano, na nossa sociedade”, salientou.
"Finalmente acessível"
Segundo corroborou o diretor da também recém-criada Museus e Monumentos de Portugal, Pedro Sobrado, a obra estará agora, final e "publicamente, acessível a todos".
Esta é, lembrou, “a sua primeira aparição pública em Portugal desde há muito tempo, salvo erro desde 1996”, quando esteve no Museu Nacional de Arte Antiga, disse. “Vendo-a finalmente, com a dimensão e as cores que tem e a expressiva materialidade que é a sua, depois de se ter disseminado em formatos e tons apócrifos por tantas páginas e letras, esta circunstância é excecional, mas deixará de o ser. Em breve, a obra estará publicamente exposta e acessível num museu nacional, com a luminosidade adequada. Devemo-lo à Fundação Livraria Lello”, frisou.
Ainda sobre o futuro, Sobrado reafirmou o "compromisso que visa a apresentação da obra de Domingos Sequeira num museu nacional, desejadamente, até em mais do que um, num contexto de iniciativas ou projetos museológicos específicos". Não estando excluído, "pelo contrário, o seu empréstimo a instituições internacionais de referência, quando favorável ao reconhecimento crítico da obra e à divulgação da pintura portuguesa no estrangeiro”, adiantou, confirmando as palavras da presidente da Fundação Lello.
Recorde-se que “Descida da cruz”, uma joia da pintura de arte sacra, tinha sido recentemente comprado à família do Duque de Palmela por uma galeria espanhola, que o chegou a expor para venda na feira de arte TEFAF, em Maastricht. A saída da peça do país foi criticada por várias entidades e especialistas, pela sua importância e por contrariar um parecer do diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Joaquim Caetano.
O Governo admitiu o erro e comprometeu-se a tentar retificar a situação. Segundo a empresa estatal Museus e Monumentos de Portugal (MMP), chegou a fazer uma proposta de compra do quadro por 850 mil euros à Galeria Colnaghi, mas viu a oferta rejeitada. O valor final da compra não foi divulgado.
Série de quatro
“Descida da cruz” faz parte da série emblemática de quatro pinturas que Domingos Sequeira executou nos últimos anos de vida, em Roma, onde morreu em 1837.
Com criação estimada em 1827, a composição a óleo, de cariz religioso, representa o local do calvário de Cristo após a retirada do corpo da cruz.
A mesma série conta ainda com “Ascensão”, “Juízo final” e “Adoração dos magos” – esta última, que já está na posse do Museu Nacional de Arte Antiga, tendo sido comprada por 600 mil euros por meio de uma inédita campanha pública de crowdfunding lançada em 2016.
O quarteto do percursor do movimento romântico na arte portuguesa “tem um valor excecional”, explicou em fevereiro ao JN o historiador Vítor Serrão, “e o Estado tem todo o interesse em reunir as quatro obras”. O governo já manifestou interesse em adquirir, também, os dois quadros restantes.