Margarida Balseiro Lopes, de 35 anos, lidera pasta de configuração inédita: MInistério da Cultura, Juventude e Desporto. Há retrocesso, desinvestimento, inexperiência, dizem agentes do setor ouvidos pelo JN.
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Margarida Balseiro Lopes, até agora ministra da Juventude e Modernização, é a mais jovem governante de sempre a assumir a pasta da Cultura – tem 35 anos. Antes dela, o título pertencia a Graça Fonseca, do anterior executivo socialista, que assumiu o cargo aos 47 anos.
O Ministério da Cultura, agora também da Juventude e do Desporto, tem conhecido uma trajetória marcada por fusões, extinções e reorganizações ao longo dos últimos 45 anos. Ao todo, houve quatro momentos distintos em que a Cultura foi integrada noutras áreas governativas ou deixou de ter ministério próprio. A última fusão foi há dez anos e durou menos de um mês.
As reações ao inédito Ministério da Cultura, Juventude e Desporto, do XXV Governo Constitucional, que tomou posse esta quinta-feira, não se fizeram esperar. “É um enorme retrocesso para a Cultura que o ministério não seja autónomo. Foi o único ministério a que sucedeu isto, o que representa um total desinvestimento”, comentou, ao JN, Ruy Malheiro, da Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas sobre a fusão. E explicou o que deveriam ser as prioridades da tutela: “É preciso continuar a garantir os direitos culturais e assegurar que o investimento nas artes continua, assim como é urgente rever o estatuto dos profissionais da Cultura”.
O dirigente não esconde a preocupação. “Esperamos que haja um grande diálogo com a nova ministra, mas estamos apreensivos. É, efetivamente, um clima de grande insegurança, especialmente porque para o ano abre um novo ciclo de apoios quadrienais e bienais da Direção-Geral das Artes (DGArtes) que ainda tem o mesmo modelo de apoio criado em 2021, por Graça Fonseca”, elencou. O mesmo sucede com o “Estatuto dos trabalhadores da Cultura, que vai cumprir quatro anos e necessita de uma nova revisão, até nas comissões de acompanhamento”.
Ter um gestor na Cultura
Já do lado do setor privado da Cultura, Álvaro Covões, um dos maiores promotores nacionais de eventos culturais, revelou ontem, em entrevista à Rádio Renascença, o que considerava ser um perfil ideal para a tutela da Cultura.
“Está na altura de ter um ministro ou uma ministra que tutele o setor privado da Cultura, o que nunca tivemos”, diz Covões. E acrescentou que o cargo deve ser ocupado “idealmente por um gestor, com uma forte componente cultural, mas um gestor”. Ora, a ministra Margarida Balseiro Lopes é doutoranda em Direito na Universidade Católica Portuguesa, pós-graduada em Fiscalidade pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, mestre em Direito e Gestão pela Universidade Católica Portuguesa e licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, indo ao encontro do perfil que Álvaro Covões reclama.
Por seu lado, Rui Galveias, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Espetáculo (STE), deixou bem clara a divisão: “O setor privado tem todo o direito a existir, mas um Ministério da Cultura deve tratar da fruição, criação e trabalho num serviço público que vá de Bragança até à Madeira, assegurando o acesso à diversidade. O Ministério da Cultura e o Ministério da Economia são diferentes”, rematou.
Quanto ao Ministério da Cultura ter agora acoplado a Juventude e o Desporto, Galveias considera que “é o reflexo de um pensamento pouco capacitado que desvaloriza todas as pastas. Mesmo que houvesse um projeto político com propostas fortes, como se iria aplicar?”, pergunta.
Maior orçamento de sempre?
Uma das questões latentes neste novo superministério é o facto de a Cultura poder vir a ter o maior orçamento de sempre – sendo que ainda não é conhecido o destino que será dado à DGArtes, organismo que coordena e executa as políticas de apoio às artes.
Mas, insiste o sindicalista Rui Galveias,“mesmo que o orçamento de Estado triplicasse ou quadruplicasse, ao ser dividido entre as pastas, como se poderia implementar?”
Ministra inexperiente
Outra questão levantada é a falta de experiência de Balseiro Lopes na área da Cultura. “Não temos opinião sobre esta ministra porque ainda não a conhecemos, mas diz a experiência que quando vieram para a tutela pessoas que não são do setor da Cultura, têm um desconhecimento absoluto que dá origem a histórias caricatas, como a ideia de que os trabalhadores da Cultura são os que aparecem na TV em prime time”, diz Rui Galveias.
A Performart – Associação para as Artes Performativas também não gosta da fusão. "É sinal de fraqueza ou de indefinição da importância da Cultura no século XXI", diz Pedro Alves. “Infelizmente, já não estranhamos que governos do PSD estejam sempre na iminência de terminar com o ministério da Cultura ou promover algum tipo de fusão que leva a que a Cultura perca centralidade”, conclui.