Depois de “Diamantino”, que o levou a Cannes, Gabriel Abrantes exercita-se no género clássico de terror, com “A Semente do Mal”. Carloto Cotta, Anabela Moreira e Alba Baptista são alguns dos atores do filme que teve a primeira exibição em sala a abarrotar e chega agora aos cinemas. O JN esteve a falar com o realizador.
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O filme também tem algum humor à mistura…
É outra coisa de que gosto muito. O Bong Joon-ho sempre foi uma referência para mim, com a mistura que ele faz entre o aterrador e o thriller clássico. Nem toda a gente ri com o Lynch, mas eu rio. Para mim é um género em que me sinto natural, é uma linguagem feita para muitos dos gostos que tenho.
Quando se trabalha com as regras específicas de um género sente-me menos liberdade criativa?
Eu senti o oposto, na realidade. O género já tem como partes do seu ADN as coisas que eu procuravaJá estavam incluídas algumas das atrações que eu gostava noutros filmes e que estariam menos em casa num filme como o “Diamantino”.
Como é que imaginou as diversas personagens que o Carloto Cotta interpreta?
A génese da personagem é muito engraçada, porque inicialmente era só uma. Eu não pensei em gémeos, até porque o “Diamantino” já tinha as gémeas. Só que queria duas coisas da personagem. Queria uma personagem um bocado distorcida, um filho mimado da sua mãezinha, que é adulto mas ainda vive em casa. Faz um bocado parte de um certo imaginário português. Mas no “Psico” é igual. E ao mesmo tempo queria uma pessoa que está obcecada com as raízes, vai à procura das raízes e cai nesta armadilha. Não conseguia escolher ou conciliar entre estas duas personagens e decidi fazer duas.
Como é que o Carloto Cotta se adaptou a esse trabalho com várias personagens ao mesmo tempo?
A primeira referência que foi buscar é uma pessoa que mora em Sintra, como ele. A outra foi o Jim Morrison. Na forma de vestir, nas botas, nas calças justas, a camisa larga. O contraste entre o Jim Morrison e a sua sensualidade estética e o lado mais estranho desta personagem que ele conhecia. O Ed é uma personagem mais tímida, sóbria, séria e calada. Começámos a desenvolver esses contrastes.
E a parte técnica de ter "dois" Carloto Cotta na mesma imagem, como é que resolveu?
Inspirei-me na série em que o Mark Ruffalo faz de gémeos. Percebi que eles em vez de fazerem campo/contracampo ou split screen utilizavam ecrã verde, para poder ter uma personagem à frente da outra. E que isso nos convencia muito mais. Mas isso significava que tínhamos de montar fundo verde entre takes, com o Carloto a fazer caracterização e cabelos. Foi um esforço, mas acho que para a história, para a ideia desta linhagem que é toda a mesma, valeu a pena.
A Alba Baptista e a Anabela Moreira, que fazem a mesma personagem em momentos diferentes, trabalharam em conjunto?
Fizemos leituras juntos. A Alba e a Anabela perceberam muito bem o que eu queria, fiquei muito satisfeito com o resultado. Sobretudo na primeira conversa que a Anabela tem quando eles chegam a casa, era aquilo mesmo que eu estava à procura com este filme, uma mistura de comédia e de terror.
Para a Anabela Moreira deve ter sido um grande divertimento compor esta personagem.
Usar uma máscara liberta os atores. É quase como um truque psicológico que ajuda o ator a não ter qualquer insegurança. A Anabela esteve sempre super confiante e eu fiquei muito feliz com o que ela conseguiu.
Porque é que as pessoas gostam de ter medo na sala escura?
Há muitas teorias, mas nenhuma delas me convence muito. Nós gostamos de experienciar o perigo, mas dentro de um contexto seguro. É por isso que também gostamos de filmes de ação. Mas não estou completamente convencido. Deve haver uma razão mais básica, para gostarmos de nos meter num precipício e olhar lá para baixo. O susto é química, é aquela adrenalina disparada para o cérebro e para o sistema nervoso. Essa adrenalina é viciante.
Como é que reage aos filmes de terror?
Eu sou uma pessoa que tem imenso medo. Fecho os olhos, ligo as luzes a ver filmes de terror. Sou super sensível. Mas gosto. É como a comédia, é uma resposta involuntária, física, a imagens. É como a montanha russa.
Como é que correu a sessão no Motel/X?
A sessão foi incrível. Eestava bastante nervoso, mas a reação foi bastante efusiva. Quando apareceu o Carloto pela primeira vez despertou na sala bastantes risos. Senti que tinha um público que estava a partilhar a piada comigo. E acho que muita gente ficou mesmo assustada. É o objetivo de um filme de terror, fiquei muito feliz.
O filme tem distribuição internacional assegurada?
Temos distribuição nos Estados Unidos com a Magnolia, que distribui os filmes do Bong Joon-ho, um dos meus realizadores favoritos. Em França é o Le Pacte, que está a distribuir o “Anatomia de uma Queda”. Estamos muito felizes e ansiosos para ver como corre nos Estados Unidos, em França e agora em Portugal. Espero que as pessoas vão ao cinema ver o filme. Que passem palavra e que haja espetadores.
Pode ser através de um filme de género que o público se reconcilie com o cinema português?
Não sei, vamos ver como este filme corre, mas é possível. Por alguma razão nos Estados Unidos muitos autores apostam nisso. Muitos realizadores hoje respeitados entraram pela via do terror. E hoje em dia há muitos que estão a procurar o seu público e uma linha autoral pela via do terror.